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Maria Leopoldina: a arquiteta da independência brasileira

Embora eu não seja a maior entusiasta das novelas — o comprometimento diário de estar sempre a postos, no mesmo horário, para acompanhar os capítulos não funciona pra mim —, quando vi as primeiras propagandas de Novo Mundo, trama das 18h da Globo, fiquei interessada. Gosto de História e sempre fico empolgada quando personagens reais aparecem em produções culturais — com exatidão histórica ou não, é sempre um meio para despertar as primeiras fagulhas de curiosidade que nos fazem correr atrás de fatos. E foi exatamente isso o que aconteceu quando parei para prestar atenção em Maria Leopoldina, interpretada na novela pela ótima Letícia Colin.

A novela tem início quando a jovem arquiduquesa austríaca de nome comprido — Carolina Josefa Leopoldina de Habsburgo-Lorena — começa sua viagem em direção à distante terra brasileira com o intuito de se reunir com D. Pedro I (na novela, interpretado por Caio Castro), seu noivo prometido. O casamento ocorreu sem que os dois se conhecessem, por meio de procuração, na Igreja de Santo Agostinho, em Viena. A partir de então, o próximo passo para Leopoldina seria atravessar o mar em busca do novo mundo que a aguardava e seu marido, que até então conhecia apenas pelo nome e pelos títulos.

Leopoldina adicionou o ‘Maria’ ao seu nome enquanto rumava para o Brasil — alguns dizem que devido à sua devoção pela Virgem Maria, outros, pelo fato de que todas as nobres portuguesas o utilizavam. O fato é que, após o casamento com D. Pedro I e sua chegada ao Brasil, foi por D. Maria Leopoldina que a princesa passou a ser conhecida por todos, fosse na corte, fosse nas ruas. Antes de chegar a essa terra diferente, Leopoldina passou sua infância na corte de Viena, local de seu nascimento, e recebeu uma educação esmerada e cuidadosa. Desde pequena demonstrou interesse por botânica e, quando viajava com sua família, sempre aproveitava a ocasião para coletar amostras de plantas e minerais. Leopoldina, como toda princesa da época, também era versada em história, aprendeu a pintar aquarela e estudou diferentes línguas, tornando-se fluente em várias delas. Leopoldina era uma jovem muito consciente de seu papel e de seu lugar no mundo, uma mulher culta e muito esclarecida, e, não por acaso, está sendo descrita como a “arquiteta da Independência do Brasil” em sua nova biografia D. Leopoldina – A história não contada: a mulher que arquitetou a Independência do Brasil, escrita por Paulo Rezzutti.

Em novembro de 2017 serão completos os 200 anos da chegada de Maria Leopoldina no Rio de Janeiro para, finalmente, se reunir com o marido. Leopoldina tinha apenas 20 anos de idade à época, enquanto Pedro tinha 19, e encarou seu destino de maneira destemida. A princesa sabia que seu casamento com D. Pedro havia sido forjado como forma de fortalecer o poder de suas famílias na Europa, mas ela acabou se apaixonando pelo marido e, talvez ainda mais, pelo Brasil. É fato que por muitos anos a imagem de Leopoldina ficou atrelada à da trágica figura traída incontáveis vezes por seu marido, mas, antes do relacionamento chegar ao ponto de se tornar insustentável, Leopoldina foi uma mulher muito inteligente, articulada e que sabia muito bem o que queria. Com uma educação impecável e uma grande capacidade para compreender os meandros da política de maneira até melhor e mais clara do que D. Pedro, Leopoldina era quem, muitas vezes, orientava o marido em questões do Estado.

De acordo com Rezzutti, a princesa Leopoldina teve papel importante em questões políticas, inclusive nos planos de independência do Brasil. Por meio dos diários da dama de companhia da princesa, a condessa Maria Ana von Kühnburg, o historiador conseguiu ter acesso a uma versão de Leopoldina até então desconhecida: a de uma mulher interessada em política e no futuro do Brasil, e uma estrategista fundamental para o movimento de independência começar a tomar forma, além de ser uma das maiores entusiastas pela permanência de D. Pedro I no país. Como sabia que não poderia politicar por conta própria, Maria Leopoldina utilizou os meios que conhecia para chegar ao fim que pretendia, e articulou como pôde seus ideais por meio de José Bonifácio, estadista paulista, e, também, de D. Pedro.

Embora as traições de D. Pedro fossem famosas — culminando no episódio em que ele trouxe para viver na corte Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, sua mais famosa amante —, o príncipe regente confiava muito nas opiniões políticas da esposa, deixando-a, por várias vezes, como regente quando ele precisava se ausentar do Rio de Janeiro. É por isso que D. Maria Leopoldina é considerada a primeira mulher a governar o Brasil, estando no poder quando D. Pedro proclamou a Independência às margens do Rio Ipiranga e também quando ela faleceu. A princesa austríaca esteve sempre do lado do Brasil e, em várias cartas escritas a seus amigos na Europa, começou a fazer distinção entre portugueses e brasileiros, deixando claro o que pensava sobre a dominação portuguesa sobre a colônia e como o Brasil, um país enorme e de força, não aceitaria ficar sob o jugo de Portugal por muito tempo.

Apesar de ter seu poder e influência limitados por sua condição de princesa e imperatriz, D. Leopoldina é revelada como uma figura inteligente e preparada para a vida política, que possuía uma visão clara do que entendia ser o melhor para o Brasil e fez o possível para chegar ao destino que ela entendia como certo. Por anos sua figura ficou ligada à da esposa traída e melancólica — o que não deixa de ser verdade, principalmente nos últimos anos de sua curta vida (Leopoldina faleceu aos 29 anos) —, mas D. Maria Leopoldina foi muito mais do que isso. Sua morte precoce comoveu a todos no país, que a viam com muito carinho. Alguns historiadores levantam a possibilidade de que Maria Leopoldina tenha sido agredida por D. Pedro e que isso, somado ao aborto que ela sofreu, a levou a óbito, mas não há provas que confirmem esse fato.

O que fica para a História é que D. Maria Leopoldina abraçou com vontade a nova pátria e fez o possível, diante de sua posição, para melhorar a vida da colônia e vê-la liberta de Portugal. Ainda não é possível saber o que será de sua representação na novela Novo Mundo, mas é importante e de enorme valor ver uma figura feminina sendo colocada sob uma nova luz. D. Maria Leopoldina já recebeu algumas representações na cultura pop, tanto no cinema quanto na televisão, mas é sempre significativo ter uma mulher tomando o controle de sua própria narrativa, mesmo que dentro da ficção de uma novela. D. Maria Leopoldina fez muito pelo Brasil, quando poucos em sua posição teriam feito o mesmo — e por isso deve ser lembrada.