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Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo: how can we resist it?

Há exatos dez anos, conhecíamos a história de Sophie (Amanda Seyfried), uma jovem que convida seus três possíveis pais para a cerimônia de seu casamento. Naquele 2008, eu ainda estava no colégio e fui assistir ao musical Mamma Mia! no cinema. Foi amor à primeira música. Juntar alguns dos maiores artistas da atualidade, como Meryl Streep e Colin Firth, com as empolgantes músicas do ABBA foi uma fórmula certeira. O primeiro filme arrecadou 615 milhões de dólares e trouxe o quarteto sueco para o coração de muitas pessoas que ainda não os conheciam.

Dez anos depois, a tão sonhada sequência está entre nós. Mamma Mia!: Lá Vamos Nós de Novo traz os personagens que tanto amamos de volta, cantando outros sucessos do ABBA nem tão conhecidos assim. Mais de 35 anos depois, o ABBA ainda tem o poder de reunir pessoas em uma sala de cinema para rir, chorar e ter o coração partido na sequência.

Atenção: este texto contém spoilers!

Antes de a sequência ser oficialmente lançada, acompanhei o buzz ao redor da continuação. Quando a produtora Judy Cramer e outros integrantes do elenco começaram a divulgar fotos de Mamma Mia 2, uma pergunta muito clara tomou corpo: “Onde está Meryl Streep?” A atriz não aparecia em nenhuma foto e ninguém confirmava a participação dela. Então veio o trailer, e nossas estruturas foram completamente abaladas. Donna (Streep) não só não aparecia, como era referida no passado pela filha. Mas foi apenas no cinema que as especulações tornaram-se verdade: logo no começo do filme descobrimos que Donna morreu há um ano. Os fãs simplesmente enlouqueceram e acredito que esse seja um dos motivos pelo quais a continuação gerou ojeriza entre alguns deles.

Segundo Judy Cramer, em entrevista para o The Hollywood Reporter, Meryl participou ativamente da decisão de matar Donna. Ela e Cramer conversaram diversas vezes sobre o assunto:

“Acho que ela sentiu que seria uma boa ideia passar a bola para os mais jovens, e queria envolver-se no filme, mas não com um grande papel.”

O fato de Meryl não ter o mesmo espaço que no primeiro filme ajudou a criar a atmosfera melancólica que predomina durante toda a sequência, além de contribuir para contar uma história sobre perda e amor. É como se estivéssemos vendo um filme sobre The Visitors, o último álbum lançado pelo ABBA, considerado um dos registros mais maduros e melancólicos do quarteto. Assim como o álbum, Mamma Mia!: Lá Vamos Nós de Novo teve de amadurecer e se adaptar a essa nova realidade, porém mantendo a essência do original. Uma tarefa difícil considerando toda a pressão da fanbase ao longo das filmagens.

A tarefa de dirigir e escrever o roteiro da sequência ficou com Ol Parker. Ele dirigira O Exótico Hotel Marigold, além de assinar a continuação do filme, portanto não é um novato. Embora tenha ficado muito nervoso em relação ao fato de escrever a continuação de um filme tão amado pelo público, Parker entregou uma sequência interessante em diversos aspectos, inserindo, por exemplo, a avó de Sophie, interpretada por Cher, papel que escreveu especialmente para a cantora.

O fator melancólico do filme foi algo que me deixou pensando até o momento de escrever este texto. Muitas pessoas riram durante a sessão, o filme tem diversas passagens espirituosas — com destaque para as interações entre as personagens Tanya (Christine Baranski) e Rosie (Julie Walters) —, então por que eu senti vontade de chorar durante todo o filme? Por que simplesmente não consegui berrar no cinema, como lá em 2008, quando meu ex-namorado saiu enfurecido comigo porque eu fiquei gritando as letras do ABBA nos ouvidos dele? Talvez porque a morte de Donna seja muito simbólica. Você é a mesma pessoa de 10 anos atrás? Acredito que não. A morte da personagem pesa porque ela enterrou um pouco daquele serzinho que eu fui em 2008. Porque agora Sophie está mais velha, gerenciando o hotel da mãe, e não usa mais All Stars e roupas de que eu tanto gostava no primeiro filme. Eu também envelheci.

Cheguei à conclusão de que a melancolia presente no filme é uma boa qualidade da continuação. Ela ajuda a lidar com a morte e seguir em frente. Inclusive, The Visitors foi uma experiência para lá de enriquecedora para o ABBA, que foi a primeira vez em que eles conseguiram falar de verdade sobre seus problemas. Sobre divórcio, criação de filhos e dizer adeus. Foi uma maneira sensacional de se despedir dos palcos, embora considerada  sombria por muitos. A vida não é só feita de “Dancing Queen”, correto?

A escolha do repertório de músicas da sequência de Mamma Mia!

O repertório do ABBA é uma miríade de possibilidades. Particularmente, é isso que faz do quarteto um dos maiores fenômenos da música. É pop, música tradicional sueca, disco e sintetizadores. Acompanhar seus álbuns é percorrer a história do pop mainstream. Mas não é só isso. Existem as letras. Escritas por Bjorn Ulvaeus e Benny Andersson, integrantes do quarteto, elas versam sobre amor e decepção de um jeito único. O casamento entre letras bem construídas, arranjos e a harmonia entre as vozes de Agnetha Faltskög e Frida Lyngstad, a parte feminina do quarteto, também são fatores de sucesso para as canções do ABBA. São hinos universais.

As canções do grupo têm uma espécie de drama próprio, que se acentuou quando as coisas começaram a dar errado entre eles. Isso aconteceu precisamente no momento em que o primeiro casal separou-se, Bjorn e Agnetha. No álbum seguinte à separação, Super Trouper, já começamos a sentir que aquelas músicas contavam o que estava acontecendo a eles. “The Winner Takes It All”, por exemplo, é o epíteto dos momentos turbulentos que Agnetha e Bjorn enfrentaram. Outra canção de que gosto muito, que não é desse álbum e nem está no filme, é “I Am a Marionette”, que versa sobre sentir-se um brinquedo, um joguete na mão dos outros e tinha muito a ver com a maneira como Agnetha sentia-se. A perseguição da mídia era demais para ela.

De volta a Mamma Mia!, com um background tão forte, é claro que as canções mais dramáticas, aquelas que representam o “fundo do poço” do ABBA, foram escolhidas para os momentos mais dramáticos da sequência do filme. “One Of Us” é cantada em um momento bastante difícil da trama, no qual os conflitos de Sophie entram em rota de colisão com os de seu marido, Sky (Dominic Cooper). Na vida real, essa música também pertence ao The Visitors e por pouco não entrou no álbum, que teve dificuldades em emplacar justamente por sua pegada melancólica. Lá Vamos Nós de Novo bebe dessa fonte de tristeza e apresenta uma versão de “One Of Us” bastante similar àquela que vemos no videoclipe do ABBA. Existe uma certa oposição entre o que Sophie e Sky estão fazendo, uma espécie de maneira de posicionar o rosto deles que lembra muito o que é feito em “SOS” e que, por sua vez, é uma das marcas do ABBA.

Com tantas músicas desconhecidas sendo ressuscitadas, com destaque para a versão lindíssima de “I’ve Been Waiting For You”, o único problema é que os personagens do primeiro filme não carregam momentos de destaque musical na trama. A única canção em que as duas amigas de Donna, Tanya e Rosie, cantam é “Angel Eyes”, e que serve para compensar a ausência musical delas, pois é muito boa — mas mesmo assim fica a sensação de que as duas personagens (e atrizes brilhantes) não foram tão bem aproveitadas nesse sentido. Já no lado dramático, felizmente, as duas personagens têm momentos de destaque, tanto beirando o absurdo quanto o dramático.

A evolução de Sophie e a celebração da amizade entre mulheres

Um dos grandes pontos que Lá Vamos Nós de Novo acerta é no arco de Sophie. Afinal, dez anos se passaram, será que ela continua a mesma garota de sempre? A resposta é, definitivamente, não. Com a morte da mãe, Sophie é obrigada a reavaliar sua vida e a decidir o que fazer com o hotel anteriormente administrado por Donna.

É muito bacana ver o abismo que separa as duas Sophies, porque ele nos faz pensar sobre ser adulto e lidar com os problemas que decorrem disso. Em Lá Vamos Nós de Novo, reaparece a questão de sempre: será que Sophie estava na Grécia, querendo tocar o negócio da mãe, porque de fato queria? Ou seria para honrar a memória de Donna? Sabendo da ligação fortíssima que ela tinha com a mãe, não é surpresa constatar que essa questão reaparece.

A Sophie de Lá Vamos Nós de Novo não é mais a garota que queria governar o mundo sozinha. Na verdade, nós a encontramos completamente devastada pela perda, o que a faz pedir ajuda a outras pessoas. Ela chama Tanya e Rosie para a ilha, para que elas façam parte da festa de reinauguração do hotel, o Bella Donna, e o objetivo não é apenas relembrar a mãe, mas ficar perto de quem a faz se sentir segura. Os momentos entre as três são fabulosos, pois percebemos a união entre elas. Existe um sentimento de apoio mútuo, já que ninguém sabe direito como lidar com a ausência de Donna. Nesse aspecto, o filme celebra mais uma vez a amizade entre mulheres. Nos flashbacks, também vemos o poder da amizade entre Donna, Rosie e Tanya, e como isso pôde atravessar gerações. Em muitos aspectos, o prequel reforça o sentimento entre as amigas. E poder ir ao cinema e ver mulheres que não competem entre si é algo por si só digno de alívio. Poder celebrar essa amizade que nos moveu tanto em 2008 é melhor ainda.

Lá Vamos Nós de Novo tem um gosto agridoce, que dialoga muito com a mensagem das músicas do ABBA. Hoje, quando escutamos essa banda, é difícil não se enfeitiçar pela maneira animada, às vezes dramática, com a qual eles nos falavam sobre a própria vida. Isso porque viver é um pouco agridoce de vez em quando. Esse sentimento está traduzido em cada frame da sequência de Mamma Mia!, e lá vamos nós de novo, porque não podemos resistir a esse sentimento.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!