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Crítica: Liga da Justiça

Um filme em live-action de A Liga da Justiça tem vivido no imaginário dos fãs de animações e quadrinhos há muitos anos. Desde que os primeiros seriados de Batman e Mulher-Maravilha fizeram suas estreias na televisão, e que o Superman voou pela primeira vez na tela grande do cinema, os fãs esperam por um momento em que todos os seus super-heróis favoritos se reunissem e fossem interpretados por pessoas de carne e osso. Se Liga da Justiça, o filme que estreou no Brasil dia 15 de novembro, se sai tão bem na missão de reunir alguns dos heróis mais queridos dos fãs, muito é por conta da nostalgia e sentimentalismo de quem assiste à produção.

Os últimos dez anos têm sido bons para os fãs de quadrinhos. O que antes poderia ser taxado maldosamente como “coisa de nerd”, hoje é amado e adorado até por quem nunca leu um quadrinho — e não há nada de errado com isso. Não é a primeira vez que podemos assistir interpretações de Batman ou Superman nos cinemas, mas a empolgação de vê-los se reunindo em uma equipe superpoderosa para derrotar as forças do mal é de arrepiar até o mais cético dos fãs. Some-se a isso o fato de termos, também, pela primeira vez, uma Mulher-Maravilha no cinema e uma versão badass do Aquaman, que o pacote entregue pela Warner Bros e DC Comics é aceito com empolgação e entusiasmo. Mas será isso o suficiente?

Liga da Justiça tem início logo após os eventos de Batman Vs Superman – A Origem da Justiça e o filho de Krypton está morto. Na batalha final contra o Apocalipse, criado por Lex Luthor (Jesse Eisenberg), Superman (Henry Cavill) se sacrifica para salvar o mundo, e o que se segue é justamente o reflexo desse sacrifício entre os humanos, quando a ausência da figura de luz e esperança do Superman faz com que o medo tome conta de todos. A montagem inicial de Liga da Justiça relembra exatamente os momentos finais de Batman Vs Superman, o sepultamento do herói e sua identidade humana, Clark Kent, e como Bruce Wayne (Ben Affleck) se sente culpado pela sua morte. Com Kent saindo de cena, e movidas pelo medo emanando dos seres humanos, forças malignas começam a acordar na Terra e paradêmonios surgem, sob ordem do Lobo da Estepe (Ciarán Hinds), em busca das Caixas Maternas, artefatos de grande poder que, quando reunidos, permitirão que o vilão conquiste o mundo.

Bruce entende que não conseguirá derrotar esta ameaça sozinho e parte em busca dos meta-humanos registrados por Lex Luthor anteriormente, tarefa em que conta com o auxílio de Diana Prince (Gal Gadot), que recebeu um aviso de sua mãe, a Rainha Hippolyta (Connie Nielsen), de que o Lobo da Estepe está de volta e em busca das Caixas Maternas. Dessa maneira, enquanto Bruce consegue recrutar com relativa facilidade Barry Allen (Ezra Miller), o Flash, e oferece dinheiro para convencer Arthur Curry (Jason Momoa), o Aquaman, Diana precisa vencer as barreiras erguidas por Victor Stone (Ray Fisher), o Ciborgue, e conquistar sua confiança. Embora o recrutamento aconteça rapidamente, é possível notar que todos os personagens possuem um ótimo entrosamento, mostrando que o muito do trunfo de Liga da Justiça reside mais em seus heróis do que na trama pouco inovadora no que se refere à luta do bem contra o mal em um universo de super-heróis.

A motivação do Lobo da Estepe é conquistar o mundo e se vingar da derrota que sofreu séculos antes nas mãos do grupo formado por amazonas, atlantes e humanos. Sem muito para desenvolver, o vilão é apenas mais um exemplo caricato entre tantos outros — tanto da DC quanto de sua concorrente, a Marvel —, se transformando apenas em um artifício para reunir a Liga. Como um primeiro filme que conta com os maiores heróis do universo DC, o mínimo esperado era o que o antagonista do grupo fosse suficientemente memorável, o que está longe de ser verdade quando se fala sobre o Lobo da Estepe. Ele vem ao mundo para provocar o caos e isso é tudo o que pretende fazer — o que, pelo lado positivo, rende ótimas cenas de ação contra o time de super-heróis, que suam o uniforme para fazê-lo parar.

Liga da Justiça tem muito da visão de Zack Snyder, ainda que o diretor tenha se retirado das filmagens por conta de problemas pessoais e Joss Whedon tenha regravado parte do material original. Sua presença é percebida principalmente na falta de saturação das cores do longa e nas cenas de batalha belamente confusas. É bonito ver as ações em câmera lenta que acentuam a velocidade de Flash, as cenas subaquáticas de Aquaman e sua Atlantis, assim como a batalha das amazonas em Themyscira. Snyder imprime sua digital em todo o filme, embora Whedon amenize o tom sombrio presente em Batman Vs Superman com algumas piadas e o alívio cômico presente na figura de Barry Allen/Flash. Como a primeira participação do Corredor Escarlate em um filme da Warner/DC, é interessante ver como o jovem se admira ao ser inserido nesse universo, ecoando muito do maravilhamento dos fãs. Barry é cada um de nós se um dia encontrássemos a Mulher-Maravilha ou entrássemos na Batcaverna.

Ainda sobre Barry Allen/Flash, Ezra Miller entrega uma interpretação a altura e pavimenta o provável início dos filmes protagonizados pelo homem mais rápido do mundo — é interessante ter um vislumbre da relação entre Barry e seu pai, Henry Allen (Billy Crudup), e um pouco de sua história de origem. Liga da Justiça não se aprofunda, mas coloca alguns pontos de referência para filmes solo. Outro herói que faz seu debute é o Aquaman, e Jason Momoa retira de uma vez por todas o estigma em cima do herói, sempre usado como piada desde a animação Os Superamigos da década de 1970. Em Liga da Justiça, Aquaman é um bad boy tatuado que, cansado de viver sob as ordens de Atlantis, decide ficar entre os humanos em uma pequena vila na Islândia; é ele quem ajuda os moradores quando não há alimento e promove resgates a pescadores à deriva. Uma cerna marcante é aquela em que ele, após beber uma garrafa de vodca, entra no mar revolto como se essa fosse uma tarefa simples.

Apesar de ter um papel fundamental no desfecho de Liga da Justiça, Ciborgue é o personagem estreante que recebe menor desenvolvimento na história. Sabemos apenas que o jovem Victor Stone sofreu um grave acidente e seu pai, Dr. Silas Stone (Joe Morton), se utiliza de uma das Caixas Maternas mantidas na STAR Labs para salvá-lo, criando um híbrido de humano e máquina. Ray Fisher dá um bom tom ao personagem, que luta para compreender todo o poder que agora possui, e a expectativa de vê-lo e conhecê-lo mais nos próximos filmes é alta. A personalidade do Ciborgue de Liga da Justiça é um pouco soturna, mas aos poucos ele relaxa quando conhece melhor seus companheiros de luta  — é adorável vê-lo interagir com Barry Allen, por exemplo, que é sempre tão desengonçado enquanto tenta fazer amigos. Dos personagens que conhecemos, o brilho permanece na Mulher-Maravilha de Gal Gadot. Ainda que Snyder e Wheldon tenham inserido uma tensão sexual entre Bruce e Diana, ela parece partir muito mais do Homem Morcego do que da Princesa Amazona.

A diferença entre a câmera de Patty Jenkins e Snyder/Whedon em relação à Mulher-Maravilha e demais amazonas é notável. Enquanto em Mulher-Maravilha, o filme, a câmera não sexualiza qualquer uma das personagens femininas, o mesmo não acontece em Liga da Justiça, quando alguns dos enquadramentos colocam o traseiro de Gadot em destaque quando o foco, evidentemente, deveria ser outro. Há também a polêmica envolvendo a alteração das armaduras das amazonas durante os flashbacks da primeira batalha contra o Lobo da Estepe: Lindy Hemming desenvolveu uma extensa pesquisa histórica para chegar aos desenhos das armaduras de batalha que vimos em Mulher-Maravilha, um modelo que fosse confortável e que protegesse as usuárias ao mesmo tempo em que evocasse inspirações greco-romanas, intrínseco às guerreiras de Themyscira. Em Liga da Justiça, no entanto, as armaduras parecem um pastiche feito sem qualquer cuidado ou pesquisa, meros biquínis de couro com desenhos genéricos e muita pele à mostra.

Enquanto os guerreiros de Atlantis, e mesmo os humanos comuns, aparecem vestindo armaduras completas e com toda a proteção necessária, as amazonas lutam com biquínis de couro e nada mais além de suas espadas, escudos, arcos e flechas. Mesmo que a cena em questão seja um flashback, nada justifica o fato de que guerreiras enviadas à Terra pelos deuses para proteger a humanidade e com profundo conhecimento de guerra andem no meio da batalha sem a devida proteção. As armaduras que vimos em Mulher-Maravilha são femininas na medida certa e não sexualizam suas usuárias, diferente do que é mostrado em Liga da Justiça. O problema, novamente, não é com mostrar abdomens definidos e corpos femininos, mas os motivos pelos quais eles são mostrados — não por coerência narrativa, mas por mero male gaze. Snyder e Whedon, por motivos desconhecidos, dispensaram as armaduras super elogiadas de Mulher-Maravilha para fazer uma versão que não faz sentido.

Mulheres também não são uma presença constante: exceto pelas já citadas batalhas e o pouco de Themyscira, o restante do filme é apenas Diana Prince. Lois Lane (Amy Adams) faz uma chorosa aparição, ainda de luto por Clark, mas novamente não há espaço para o desenvolvimento da personagem para mais do que a namorada do herói. Martha Kent (Diana Lane) também faz uma breve participação para sentir a perda do filho e nada mais. No núcleo de Atlantis, há a primeira aparição de Mera e, embora Amber Heard esteja maravilhosa no papel, sua cena se resuma a um puxão de orelha que apenas serve para motivar Arthur a se juntar aos heróis em sua empreitada contra o Lobo da Estepe — resta aguardar que, no filme solo do Aquaman, seu papel seja maior. Liga da Justiça não dedica muito tempo para desenvolver personagens, e menos ainda se elas são mulheres. Mesmo a Mulher-Maravilha fica um pouco de lado embora ela ainda seja a melhor personagem do filme.

De maneira geral, Liga da Justiça atende as expectativas dos fãs ainda que derrape feio em alguns momentos. Mesmo que, a rigor, Batman Vs Superman tenha sido o início da reunião dos heróis da DC nos cinemas, é em Liga da Justiça que o potencial da parceria é finalmente visto, ainda que não seja 100% atingido. O filme evoca as melhores lembranças dos quadrinhos e das séries animadas da Liga, com ótimas cenas de interação entre a equipe. Ainda que possua falhas (alguns diálogos são mesmo difíceis de aceitar) e seu vilão seja caricato e genérico, mesmo inspirado nos quadrinhos, a produção consegue empolgar justamente pelo sentimento que proporciona aos fãs de super-heróis. Vê-los interagir e lutar em uma superprodução de cinema é de encher os olhos e o coração, principalmente para quem cresceu imerso nesse universo. O que transforma Liga da Justiça em um filme divertido é o bom entrosamento entre o elenco e os sentimentos dos fãs, exaltados por ver seus heróis favoritos em tela grande.

Se o universo cinematográfico DC estava uma bagunça depois de Batman Vs Superman e Esquadrão Suicida, ele parece ter encontrado seu rumo com Mulher-Maravilha e permanece no caminho certo, com algumas ressalvas, com Liga da Justiça. O Batman de Ben Affleck não está mais tão mal-humorado e sombrio quanto antigamente, a Mulher-Maravilha permanece como dona e proprietária de tudo e todos, e o Superman é, pela primeira vez nessa nova encarnação, um verdadeiro farol de esperança. Liga da Justiça, afinal, não é um filme inovador e recorre a um roteiro simples, sem grandes reviravoltas, mas consegue cativar, empolgar e ser divertido na medida certa.

1 comentário

  1. A Mulher-Maravilha de Gal Gadot continua agradando muito e apresentando um excelente desenvolvimento da personagem, que exerce um papel de extrema importância para a equipe. Após a sua aparição em BVS e seu bem sucedido solo, a heroína se mostra cada vez mais uma peça fundamental para o universo.
    O filme conta com um ritmo dinâmico, sabendo equilibrar os arcos de cada personagem em coesão com a equipe.👏👏👏

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