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De uma galáxia muito distante: Leia Organa

Era uma vez, em uma galáxia muito, muito distante, uma bela princesa de expressivos olhos castanhos, cabelos longos presos em um penteado irreverente e uma língua afiada. Como princesa, Leia Organa desafiava tudo aquilo que era esperado dela, subvertendo, desde muito cedo, as expectativas de todos. Para muitas meninas, Leia foi o primeiro contato com uma personagem feminina forte e destemida em um mundo dominado por homens, principalmente quando o assunto é um filme de ficção científica com naves espaciais, lutas de sabre e um elenco predominantemente masculino.

Nos deparamos pela primeira vez com Leia (Carrie Fisher) em Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança, onde, capturada pelo Império Galáctico durante uma de suas missões, vê como sua única saída para escapar de seu cativeiro enviar, por meio de seu droide R2-D2 e o androide C-3PO, uma mensagem para Obi-Wan Kenobi (Alec Guinness) pedindo ajuda. Em um primeiro momento até se pode pensar que Leia é só mais uma donzela em perigo, mas logo descobrimos que ela toma conta da situação assim que uma oportunidade aparece. Enquanto Han Solo (Harrison Ford) e Luke Skywalker (Mark Hamill) se atrapalham em sua missão de salvamento e ficam cercados por stormtroopers, Leia toma a arma das mãos de Han — e as rédeas da situação — e consegue tirar a todos da enrascada em que se meteram. “Somebody has to save ours skins“, no final das contas, e é a princesa — que, aparentemente, precisava de ajuda — que resolve o impasse.

E essa é a grande questão com Leia: ela não veio à galáxia a passeio e desde muito jovem se envolveu com a Aliança Rebelde na luta contra o Império Galáctico, colocando-se na linha de frente em missões perigosas por um bem maior. É exatamente por conta disso que a princesa é capturada e presa, visto que estava em uma missão para conseguir as plantas que levariam à destruição da maior arma do Império naquele momento, a Estrela da Morte. E essa não é a única incursão de Leia no meio das forças inimigas já que a princesa estava sempre pronta para enfrentar o que quer que fosse em prol daquilo em que acreditava: um mundo livre do Império Galáctico.

leia organa

A vida de Leia passou por muitas transformações desde o nascimento. Filha de Anakin Skywalker (Hayden Christensen) e Padmé Amidala (Natalie Portman), Leia foi adotada em segredo e ainda bebê pelo casal Bail (Jimmy Smits) e Breha Organa (Rebecca Jackson Mendoza), a família real de Alderaan. Irmã gêmea de Luke, Leia foi separada do irmão para que as chances deles de passarem despercebidos pelo radar dos inimigos fossem maiores, preservando, assim, a vida dos dois. Como filhos de Anakin, que viria a se transformar em Darth Vader após sucumbir completamente ao lado negro da força, as duas crianças eram alvos óbvios para as Forças Sombrias do Império Sith. Enquanto Luke foi levado por Obi-Wan para Tatooine, Leia cresceu como princesa em Alderaan. Sua posição privilegiada, no entanto, nunca a deslumbrou e, assim que possível, Leia se uniu à causa da Aliança Rebelde, um grupo que tinha como objetivo maior restaurar a paz na galáxia e derrubar o Império.

Na primeira trilogia de Star Wars, Leia foi membro do Senado Imperial, uma diplomata e espiã para a Aliança Rebelde. Corajosa e determinada, Leia sempre defendeu seu ponto de vista e aquilo em que acreditava, por diversas vezes colocando seus interlocutores — principalmente homens que se achavam mais importantes ou capazes do que ela — em seu devido lugar. Leia fez isso até mesmo com Darth Vader: quando todos ao redor, inclusive os próprios comandados de Vader, morriam de medo de seu poder e se sentiam intimidados pela Força, Leia empinou o nariz e o desafiou com intensidade. Ela poderia estar presa e vir a perder a vida, mas não sairia dessa sem fazer valer seus argumentos. O mesmo acontece quando a princesa é torturada por Vader, quando ela não cede e não denuncia a localização da Base Rebelde, e acontece de novo quando Grand Moff Tarkin (Peter Cushing), o comandante da Estrela da Morte, ameaça destruir Alderaan caso Leia não denuncie a localização da Base Rebelde — a princesa mente sem pestanejar e indica uma direção errada para o vilão, mantendo-se fiel à Aliança independente de qual fosse a intimidação que lançassem sobre ela.

Em Star Wars Episódio V: O Império Contra-Ataca, Leia e Han começam a se envolver romanticamente, mas o relacionamento não a faz dócil ou gentil com seu escolhido e, muito pelo contrário, a faz continuar a apontar todas as questões em Han que estão longe de ser ideais. Como esquecer o momento em que Leia diz preferir beijar um wookie a beijar Han? Eventualmente o relacionamento entre eles se desenvolve, mas Leia nunca deixa de ser leal a si mesma enquanto isso. Ainda no Episódio V, temos um outro momento em que a importância da princesa é destacada e, dessa vez, pelo icônico Mestre Yoda (Frank Oz): se para Obi-Wan Luke é o escolhido e a única esperança na luta contra o Império, Yoda já pensa diferente e indica que a gêmea dele pode ser ainda mais valiosa para a batalha que se seguirá. Leia não recebe um treinamento Jedi como Luke e, embora tenha afinidade com a Força — a princesa consegue sentir o pedido de ajuda do irmão de maneira psíquica —, conquista sua posição de importância na batalha contra o Império por seu próprio esforço. Sempre pensamos em como o treinamento Jedi foi difícil para Luke, mas nem por um momento pensamos sobre como a jornada de Leia foi ainda mais desafiadora.

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No último filme da trilogia original, Star Wars Episódio VI: O Retorno do Jedi, acontece o controverso momento em que Leia se torna cativa de Jabba, o Hutt e é obrigada a usar o famoso biquíni dourado. Reduzida a um objeto sexual sob o domínio de Jabba, há uma glamourização erótica de Leia como escrava que, além da vestimenta, é acorrentada e obrigada a permanecer ao lado de seu captor. Muito se fala de como o episódio foi desnecessário na trajetória de Leia e do male gaze, mas ainda que a princesa mate Jabba na sequência — utilizando as correntes em que ela própria estava presa em um momento muito badass — existiam outras maneiras de contar essa história. Aqui, novamente, Leia precisa ser resgatada — e, apesar dessa ser uma constante nos filmes, a princesa não faz exatamente parte do estereótipo da donzela em perigo porque, sim, embora precise ser salva, Leia não espera para que isso aconteça e na primeira oportunidade faz o possível para se ver livre por conta própria, seja abrindo caminho com sua arma atirando em stormtroopers, salvando Han ou Luke pelo caminho e sendo maravilhosa em todo o processo.

E depois de tudo isso ainda tivemos a imensa honra de ver Leia em seu papel mais importante: o de general e líder da rebelião em Star Wars Episódio VII: O Despertar da Força. Leia não é mais a jovem de antigamente, mas sua impetuosidade permanece, fazendo dela a líder ideal da Aliança Rebelde. Ela agora é a mulher que perdeu praticamente tudo o que mais amava para o lado negro, desde seus pais a seu filho, Kylo Ren (Adam Driver), e vê como única possibilidade continuar a guerrear contra o Império, algo que vem fazendo desde muito nova. Leia poderia ter sucumbido à dor da perda, mas ela continuou lutando, continuou batalhando pelo ideal de um mundo melhor. Crescendo como princesa em Alderaan, Leia poderia ter facilmente ficado à deriva das disputas que ocorriam ao redor da galáxia, mas ela optou por dedicar sua vida a uma causa maior. Como membro do Senado Imperial, diplomata ou espiã, não havia nada que Leia prezasse mais do que a causa que defendia com fervor: a de poder viver em uma galáxia em paz.

É Leia quem, afinal de contas, lidera as ações da Aliança Rebelde, colocando seu cérebro para trabalhar em planos que pudessem favorecer seus aliados. Leia nunca para de lutar e mesmo quando vê seu planeta ser destruído não perde o controle de si mesma e continua a batalha, resistindo para que nenhum outro planeta encontrasse o mesmo fim que Alderaan. Dá pra dizer, sem medo de errar, que Leia é a base de toda a franquia Star Wars. Sim, temos um vilão impecável em Darth Vader, o escolhido em Luke, mas é Leia quem batalha e trabalha para o bem de toda galáxia, mostrando-se corajosa, inteligente e determinada a conseguir o que deseja. Star Wars não é uma saga isenta de problemas quando se trata de personagens femininas, mas conseguiu pontuar bem com Leia.

leia organa

Ainda que a princesa seja uma personagem de grande importância para toda a saga de Star Wars, é impossível passar batido pelo fato de que, por muito tempo, ela era a única personagem feminina de relevância na trama. Enquanto em todos os filmes assistimos a homens pilotando naves, indo para a luta e duelando com sabres de luz, as mulheres ficaram relegadas a serem objetos de cena. Claro que isso melhora consideravelmente com a segunda trilogia, iniciada em Star Wars Episódio I: A Ameaça Fantasma, em 1999, mas não apaga o fato de que, por muito tempo, a única personagem em que meninas podiam se inspirar ao assistir aos filmes era Leia. Na segunda trilogia a quantidade de mulheres em cena — de Jedis a rainhas, de guerreiras a políticas — aumenta, mas suas vidas continuam a girar em torno de outros homens, como é o caso de Padmé, que, embora senadora, vive mais para Anakin do que qualquer outra coisa (e isso para não me estender no fato de que a morte de Padmé é a maior motivação de Anakin para se deixar levar para o lado negro, caindo em mais um estereótipo de personagem feminina na cultura pop. Mas deixemos esse debate para uma próxima).

Mas se hoje temos Rey (Daisy Ridley) e Jyn Erso (Felicity Jones) liderando e mostrando quem manda na rebelião, é porque primeiro tivemos Leia derrubando barreiras e subvertendo a ordem de uma galáxia — mesmo que muito, muito distante. Princesa ou general, senadora ou diplomata, o fato é que Leia permanecerá como um ícone certo e seguro para meninas que falam o que pensam e se mantêm fiéis àquilo em que acreditam, doa a quem doer. May the force be with you, pois princesas dão início a rebeliões, chutam bundas e salvam galáxias inteiras.