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Las Chicas del Cable: um final agridoce para a busca de liberdade

Las Chicas del Cable estreou na Netflix em maio de 2017 e, de lá pra cá, reuniu uma parcela considerável de fãs sempre ávidos por acompanhar os dramas, sonhos e desejos do grupo de mulheres que protagonizam a trama. A produção espanhola foi encerrada em sua quinta temporada no último mês de julho e após quarenta e dois episódios de muitos altos e baixos, tramas por vezes rocambolescas e até mesmo apelativas, Las Chicas del Cable deixa um legado que pode ser resumido em uma frase: “não acredito que, depois de tanta luta, terminaremos assim”.

Atenção: este texto contém spoilers!

Sete anos se passam entre o final da quarta temporada e o início da quinta, o que significa dizer que Lídia (Blanca Suárez) e Francisco (Yon Gonzáles) vivem nos Estados Unidos desde sua fuga, criando Eva, filha de Lídia com Carlos (Martiño Rivas), e Sofía, filha de Ángeles (Maggie Civantos), morta na temporada anterior. A trama do último ano de Las Chicas del Cable tem início quando Sofía (Denisse Peña), agora adulta, decide fugir para a Espanha a fim de se unir àqueles que combatem os nacionalistas e sua tentativa de golpe. Esse período da história, conhecido como Guerra Civil Espanhola, se estendeu entre os anos de 1936 e 1939, deixou mais de um milhão de mortos e incontáveis desaparecidos no país.

Ao notar a fuga de Sofía, Lídia não pensa duas vezes e parte em busca da filha de criação, acreditando ser seu dever para com Ángeles trazê-la de volta para casa em segurança. Como se não bastasse Sofía se alistar para combater na guerra, a jovem tem problemas no coração e precisa de medicação constante, medicação que ela, inclusive, perde a caminho do exército republicano. A partir desse momento, toda a primeira parte do quinto ano de Las Chicas de Cable se resume à busca de Lídia por Sofía e como as demais telefonistas — Marga (Nadia de Santiago) e Carlota (Ana Fernández), além de Óscar (Ana Polvorosa) — podem fazer para ajudá-la no processo. Não demora para que Lídia descubra que Carlos pode ajudá-la a encontrar Sofía, mas apenas porque ele agora é coronel do exército nacionalista.

Las Chicas Del Cable

Tudo com relação a essa trama não faz o menor sentido além de ter a função de colocar Lídia de volta na Espanha para que possa se reencontrar com as amigas. Não faz sentido Sofía sentir tanto amor por um país de que quase não se lembra a ponto de participar da guerra, assim como não faz sentido a jovem ter uma doença no coração desde a infância sem a mesma nunca ter sido mencionada por Ángeles anteriormente. A escolha do salto temporal de sete anos também não se mostra um acerto: não temos como saber, além do que nos é dito, a respeito das vidas de Lídia e Francisco nos Estados Unidos, assim como o laço que une Lídia e Sofía ser mera formalidade de roteiro visto que nada é mostrado para a audiência para nos fazer acreditar nesse amor. Não sabemos o que motivou Carlota e Óscar a retornarem para Madrid para trabalhar ao lado de um jornalista norte-americano bastante aleatório, e muito menos o que aconteceu com a empresa que Marga e Pablo (Nico Romero) decidiram abrir na temporada anterior. Os roteiristas esperam que acreditemos em tudo, mas não se esforçam muito para nos cativar e muito menos para cobrir os furos no roteiro.

A Guerra Civil Espanhola, que poderia render histórias realmente interessantes para esse quinto ano, nada mais é do que um pano de fundo para os episódios e toda essa narrativa se organiza apenas para fazer com que Lídia, sempre a ponto de encontrar Sofía, a veja escapar por entre seus dedos. A Companhia Telefônica de Madrid jaz esquecida, assim como a narrativa da luta por direitos das mulheres, algo tão presente nas duas primeiras temporadas da série. A sensação que dá, ao acompanhar esse último ano, é de assistir duas produções completamente diferentes e descoladas, quase como se os roteiristas tenham decidido inserir a guerra em um último minuto sem pensar muito em como fazer a trama funcionar. Todos os personagens estão envolvidos de alguma maneira na guerra, e o que poderia ser uma boa saída de roteiro atua como uma peça que engessa a trama e nunca a faz sair do lugar.

O resultado dessa decisão se vê nos personagens apáticos e sem muitos objetivos além de rodear Lídia e dar suporte a ela na busca por Sofía. Nenhuma das telefonistas tem uma trama completa e ficam presas no mesmo loop das temporadas anteriores: Lídia é novamente a mãe desesperada em busca de uma filha desaparecida, Carlota deixa de ser a personagem lutadora de outrora enquanto Óscar retorna ao sofrimento a respeito de sua identidade. Dentre todas, apenas Marga tem algum crescimento, e, talvez por isso, roube a cena sempre em que aparece. Ela está disposta a fazer o possível para evitar que Pablo tenha que se apresentar ao exército, e é também ela que distribui alimentos para os vizinhos e se organiza para protegê-los durante os bombardeios que assolam Madrid.

Las Chicas Del Cable

Quando Sofía é finalmente resgatada, dessa vez é Lídia, ao lado de Carlos, que cai nas mãos do General Romero (Antonio Molero). Lídia é enviada para uma prisão feminina enquanto Carlos é assassinado pelo general, que forja sua morte para parecer um suicídio. O final de Carlos me pegou de surpresa e não de uma maneira positiva — o personagem sempre foi um dos mais interessantes de Las Chicas del Cable, mesmo metendo os pés pelas mãos inúmeras vezes, ele sempre se mostrou completamente humano em seus erros e acertos. Carlos acreditava nas pessoas, e por isso foi manipulado tanto por Lídia quanto por sua mãe um sem número de vezes. Mesmo quando a trama da série o coloca como um dos vértices do triângulo amoroso entre ele, Lídia e Francisco, era interessante vê-lo em ação. Mas a verdade é que Las Chicas del Cable nunca foi muito gentil com a trajetória de Carlos, e era óbvio que Lídia escolheria Francisco sempre que pudesse. Tudo bem Lídia fugir com Eva para proteger a filha de Doña Carmem (Concha Velasco), mas não está tudo bem abandonar Carlos por carta e fugir com seu melhor amigo no processo.

Com Lídia na prisão, a história se repete, porém, de maneira invertida. Agora é Sofía, ao lado de Marga, Carlota e Óscar, e de Francisco, que precisam se organizar para resgatá-la — principalmente quando descobrem que a diretora do lugar é ninguém menos do que a própria Doña Carmen. Quem é calejado no universo das séries sabe que sem corpo não há morto, então não é surpresa ver Doña Carmem retornar mais uma vez para assombrar Lídia, e mesmo com a ótima interpretação de Concha Velasco, não deixa de ser cansativo ver, novamente, Doña Carmem de vilã fazendo das vidas das telefonistas um inferno. Como diretora da prisão, Doña Carmem não mede esforços para fazer com que sua inimiga sofra e fará isso com todos os requintes de crueldade possíveis, inclusive mandando prender as amigas de Lídia após a protagonista conseguir fugir da prisão. Com Madrid tomada pelos nacionalistas após a vitória de Francisco Franco e o início do regime do “nacional-catolicismo”, que abriu as portas para o fascismo na Europa, não é de se surpreender que Carmem consiga fazer o que dá na telha, incriminando Carlota e Óscar para vê-los presos e planejando vender o bebê que Marga espera no mercado negro.

A trajetória de Marga, como dito anteriormente, é uma das poucas coisas positivas no ano final de Las Chicas del Cable. A personagem, antes vista apenas como alívio cômico ao lado de seu marido, se transforma a olhos vistos. Marga não deixa que Pablo perca a cabeça quando é convocado para o exército, o esconde junto de seu irmão gêmeo, Júlio, quando retornam para casa após terem desertado e vai presa quando Isidro (Miguel Diosdado) denuncia a presença dos irmãos por pura dor de ser rejeitado romanticamente por ela. É claro que todas essas coisas endurecem a outrora doce e ingênua Marga, mas isso, dentro da narrativa, faz todo o sentido (algo escasso no roteiro da série, vale apontar). A ótima Ana de Santiago consegue passar a seriedade e gravidade da personagem com maestria, e poucas cenas de Las Chicas del Cable conseguem ser tão emocionantes quanto o parto de Marga sendo apoiada por Pablo por telefone.

Las Chicas Del Cable

Lídia, ainda que não tenha realmente passado por uma transformação ou crescimento enquanto personagem, permanece com uma fé inabalável em si mesma e em suas amigas. Mesmo com todas as loucuras da trama, não dá pra deixar de enaltecer a personagem que nunca desiste, mesmo nos piores momentos. Lídia é inteligente, resiliente e corajosa, e move mundos para proteger quem ama. Perto dela e de Marga, no entanto, Carlota e Óscar ficam apagados, e o conflito que surge entre eles não serve a nenhum propósito pois já vimos isso acontecer antes. É uma pena visto que, nas temporadas passadas, as tramas envolvendo Carlota, sua militância e o envolvimento com o movimento sufragista, e Óscar e o fato de ser um homem trans em 1930, eram as mais interessantes de acompanhar.

Las Chicas del Cable nunca foi famosa por sua brevidade, mas em seu ano final parece ter jogado às favas qualquer vestígio de bom senso. A série que acompanhamos por quatro anos e cinco temporadas não é mais a mesma e parece correr em círculos, sem tomar decisões a respeito dos destinos de seus personagens. As outrora telefonistas sempre estão prontas para se enfiar em qualquer missão perigosa mesmo que não tenham preparo para tal; se transformam em jornalistas da noite para o dia simplesmente porque sim. Planejam fugas de prisão (e essa não é a primeira vez, como já vimos na temporada anterior) não apenas de uma presa, mas de todas. E no final, ainda se sacrificam: “não acredito que, depois de tanta luta, terminaremos assim”.

Essa é a frase que Carlota diz durante as cenas finais do último episódio. É difícil mesmo de acreditar, Carlota. A série, tão promissora em sua primeira temporada, parece ter perdido o rumo quando chegou em seu terceiro ano: Las Chicas del Cable se perdeu ao tentar abraçar todos os temas possíveis de uma só vez, não conseguindo desenvolver nenhum deles de maneira ideal; se perdeu ao deixar que seus personagens tivessem seu brilho e suas motivações apagadas, correndo em círculos, confusos a respeito de qual rumo tomar. A única constante, se podemos dizer assim, é a amizade que une Lídia, Carlota, Marga e Óscar durante todos esses anos. Se fica uma lição disso tudo, é que suas amigas são seu porto-seguro e que para vê-las bem e felizes fazer de tudo ainda é fazer pouco.

Las Chicas Del Cable

Os furos de roteiro, as tramas com drama em excesso e resoluções pouco críveis quase podem ser perdoados por conta da amizade e carisma de suas protagonistas. Com histórias e vivências diversas, Lídia, Carlota, Marga e Óscar decidiram manter-se juntas até o final, qualquer que fosse o perigo que surgisse em suas vidas, e é por isso que, também juntas, aceitam o sacrifício derradeiro para proteger aqueles que amam. Nenhuma delas pensa duas vezes antes de fazer o possível — e impossível — para proteger seus amores, seus amigos e suas famílias, assegurando a cada um deles a possibilidade de um futuro livre para ser vivido como quiserem. Muito mais do que uma série sobre a Madrid dos anos 1930, sobre uma Companhia Telefônica ou triângulos amorosos, Las Chicas del Cable se firma como uma série sobre suas mulheres e seus sonhos de liberdade, algo que as moveu desde o início.

Como não se lembrar, ao final, de como eram essas mulheres na primeira temporada e os caminhos que as levou até ali? Lídia, na primeira temporada, aprendeu a confiar em outras pessoas pela primeira vez em anos ao ser acolhida pelas telefonistas enquanto Marga, recém chegada do interior, desbravou o novo mundo da cidade grande com a cara e a coragem, deixando o medo do desconhecido para trás. A saudosa Ángeles, cujo maior sonho era ser sua própria pessoa, viu-se livre de um relacionamento abusivo pela primeira vez em anos com a ajuda de suas amigas, enquanto Carlota descobria que o amor é muito maior do que aquilo que nos ensinam e que não há cartilha para nos dizer como sentir. Óscar, que ainda era Sara na primeira temporada, lutava para entender o que se passava em seu coração e aprendeu a se aceitar com o apoio da amizade que construiu. Todo o caminho que elas trilharam o fizeram por ter em quem se apoiar, e essa é a mensagem que fica da série.

O final agridoce certamente não é o que esperamos, mas ele faz sentido narrativamente falando. Cada uma daquelas mulheres fez o possível para ser livre, e o ato final de abnegação nos mostra isso. “As telefonistas deram suas vidas por um mundo melhor” é o que diz a mensagem quando Lídia, Carlota, Marga e Óscar dão as mãos e vão em direção ao seu ato final. Nesse momento, Las Chicas del Cable aproveita para fazer uma homenagem à todas as mulheres que deram suas vidas lutando por um mundo mais igualitário. A jornada pode não ter sido perfeita, mas a mensagem que fica certamente é feita sob medida para o momento que vivemos: não podemos deixar de lutar.