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Crítica: La La Land e o triunfo de um sonho

Vamos falar sério aqui: o quão difícil é fazer um filme? Numa estimativa bem grosseira, podemos dizer que além de roteiro, direção e elenco, é preciso de iluminação, cenografia, locações, maquiagem, figurino, sonoplastia, trilha sonora, fotografia, efeitos especiais, correção de cor, mixagem de som — basicamente um monte de trabalho realizado por uma equipe, equipe essa formada por pessoas que precisam não só receber pelo serviço, mas também comer, se deslocar, ter onde dormir. Tudo isso custa dinheiro. Estúdio custa dinheiro. Equipamento custa dinheiro. Tempo é dinheiro e nem começamos a falar sobre o que vem depois — comercialização, distribuição, divulgação, contratos, direitos autorais e mais um monte de coisas chatas. O lobby para inserir um filme no circuito de festivais e prêmios é outra longa — e cara — novela.

Quando se pensa em toda essa estrutura, a grande ideia, o sonho criativo de se fazer um filme — essa parece ser a parte mais fácil. Grande ou pequeno, para se fazer um filme, além da ideia, você vai precisar de dinheiro, e se você não tiver esse dinheiro você precisa de alguém que tenha, e essa pessoa (que normalmente não é uma pessoa, mas uma ou várias empresas e também o próprio Estado através de leis de incentivo) precisa acreditar o suficiente no seu filme para dar esse dinheiro para você. Isso não significa que ela precisa achar que seu filme é lindo e que o mundo precisa vê-lo, mas sim acreditar — ou melhor, ter certeza — de que esse dinheiro vai voltar para ela. Isso é Hollywood.

Na cerimônia do Globo de Ouro no último dia 9, quando La La Land foi premiado nas sete categorias que fora indicado, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor — um feito até então inédito na história do prêmio — o discurso de toda a equipe era o mesmo: eles destacaram o quão gratificante e recompensador era estar ali e ser reconhecido por um filme tão difícil de fazer. Em um dos seus discursos de agradecimento, o diretor e roteirista Damien Chazelle agradeceu em particular ao seu time de produtores por lutarem ao lado dele para realizar esse filme, um projeto de seis anos do cineasta, e por terem acreditado no que, de acordo com as palavras de Chazelle, foi uma proposta completamente insana. O tempo todo eles ficavam repetindo que era extraordinário que um filme como aquele tivesse sido feito — um musical dançante e romântico nascido de uma história original, e não uma adaptação da Broadway, como é de praxe no gênero; um filme para sonhadores, que exige que deixemos o cinismo em casa para voar para as estrelas junto com Ryan Gosling e Emma Stone, dois dos rostos mais bonitos de Hollywood, numa história sobre amor e também sobre sonhos, dois jovens com um sonho ambicioso no coração na ensolarada Los Angeles, Califórnia, querendo ser star.

La La Land custou $30 milhões dólares e faturou em bilheteria $173,5 milhões até o fechamento deste texto. O filme foi rodado em película 35mm à moda antiga (e cara) dos grandes filmes da era clássica de Hollywood, em 48 locações externas diferentes, usando uma equipe de 1600 figurantes entre atores e dançarinos, em mais de 40 dias de filmagem — fora os três meses de ensaio com músicos e coreógrafos. A cena de abertura, “Another Day Of Sun”, é um enorme número musical gravado no meio do trânsito de Los Angeles, numa das clássicas highways da cidade, uma sequência coreografada à perfeição de modo que ela é quase toda filmada em sequência, sem cortes. Sim, La La Land é um filme grande; ambicioso, com certeza; pretensioso também, mas difícil? Arriscado? Ousado? De onde tiraram que o público não quer sair de casa e pagar para ver Ryan Gosling e Emma Stone, bonitos e bem vestidos, cantando, dançando e batalhando para realizar os seus sonhos em Los Angeles?

Estamos na era dos grandes blockbusters de super-herói, dos remakes dos contos de fada clássicos — gêneros que têm se reinventado e se politizado para encontrar seu lugar no mundo de hoje, mas ainda são heróis com capa e cueca por cima da calça, princesas amigas de animais falantes. Se não é um escape, pelo menos é lúdico. O musical, gênero outrora visto como controverso, vive uma fase ótima: Crazy Ex-Girlfriend é sucesso de crítica como série musical que subverte e ironiza de forma dura clichês de comédias românticas ao mesmo tempo que trata de saúde mental, apropriação cultural, e coloca na tela dois números musicais por episódio, um mais absurdo que o outro; vivemos orgulhosamente na era de Hamilton e não é exagero dizer que seu criador, Lin-Manuel Miranda já mudou para sempre a história dos musicais.

Hamilton reconta a história da fundação dos Estados Unidos através de Alexander Hamilton, um dos quatro founding fathers do país (dono do rosto na nota de $10) em números que misturam hip-hop, rap, R&B, música caribenha e jazz, com um elenco diverso, formado por atores negros, latinos, de descendência asiática, num casting tão diverso que a minoria é branca. Em meio à eleição de Donald Trump, do renascimento do nazismo, da violência deliberada contra negros, Lin-Manuel Miranda está lotando um teatro na Broadway noite após noite e a produção está com ingressos esgotados até agosto de 2017. Taí uma coisa difícil de se fazer.

La La Land é um musical que deseja homenagear os musicais clássicos, e é, ao mesmo tempo, próximo e distante deles — seja para o bem ou para o mal. Os iniciados vão reconhecer na direção de Chazelle algo que o muso Fred Astaire trouxe aos filmes nos anos 30: os números de dança captados de modo que os atores são filmados de corpo inteiro, em tomadas longas, quase sem cortes. “Ou a câmera dança, ou eu danço”, dizia o sapateador, e ninguém seria doido de perder a chance de vê-lo dançar. É uma extravagância técnica que impressiona, mas que também torna difícil a missão de disfarçar eventuais falhas do elenco. Fred Astaire não tinha problemas com isso, Ryan e Emma têm.

Os atores, simpáticos e belos, são melhores atores do que são cantores e dançarinos, e isso é perceptível na primeira vez que Ryan abre a boca para cantar. Emma faz um trabalho superior ao do colega, mas os dois são adoravelmente ordinários em todas as cenas de dança, salvos pelo próprio carisma. Nada chega a realmente incomodar, surtindo, talvez, o efeito contrário: a experiência é mais orgânica, menos elaborada e agrada pela despretensão. Com exceção de um ou dois números, as músicas não são vetores para a história e a narrativa se resolveria sem elas, de modo que elas estão ali como trilha sonora. Uma agradável trilha sonora — que não é o verdadeiro jazz, nem um número musical tradicional — mas que cai bem na graça do público, de qualquer forma.

A não ser que esse público esteja esperando realmente um musical que vá MAKE MUSICALS GREAT AGAIN, que é o que La La Land se propõe a ser. Se ele quer tanto homenagear o cinema, os musicais e estar em meio aos grandes, essa perspectiva se faz necessária.

Os musicais nasceram junto com o cinema falado, na década de 30, que coincide com o período da Grande Depressão americana, logo seguida pela Segunda Guerra Mundial nos anos 40. Os grandes estúdios de cinema eram realmente fábricas de sonhos que tiravam a população da realidade de caos e instabilidade do cotidiano. Eram períodos de crises políticas, instabilidade e efervescência social como o que estamos vivendo agora. Que La La Land tenha sido feito e exista nesse mundo, reconhecido, premiado e maior favorito ao Oscar não é uma surpresa — é história. Que Damien Chazelle, um cidadão branco, de bem e fã de jazz tenha obtido sucesso — ainda que depois de seis anos — não parece uma jornada heroica, mas sim lógica, uma questão de timing.

La La Land não é ciência de foguetes. Não é revolucionário. Não incomoda ninguém — pelo contrário, ele entrega exatamente aquilo que a gente quer ver.

Em sua primeira cena, o filme abre com cantoria, muitas cores e protagonistas cruzando caminhos. Ali já era possível saber que amá-lo seria uma tarefa fácil, um tipo de amor à primeira vista, clichê de todas as maneiras. A fórmula já dava certo mesmo antes de se resolver, e o filme tomar jeito num local onde nunca faz frio, fala de música e cinema, o casal protagonista se apaixona docemente, sem jogos, e as pessoas saem voando e dançam nas estrelas… Bom, não há muito o que não amar.

Mia (Emma Stone) sonha em ser atriz desde criança, inspirada por sua tia, atriz de uma trupe de teatro itinerante. Em sua infância em Nevada, ela assistia a filmes antigos com a tia na biblioteca da cidade e escrevia suas próprias peças. Ela larga a faculdade de Direito para tentar a vida em Los Angeles, e trabalha como garçonete — dentro dos estúdios da Warner, em frente onde filmaram Casablanca, vale notar — num café e enfrenta uma série de audições, e rejeições, nas horas vagas.

Sebastian, por sua vez, sonha em ser músico. Não apenas músico, Sebastian — na pele de Ryan Gosling, loiro de olhos azuis — quer salvar o Verdadeiro Jazz™ da barbárie moderna, uma salvação que viria na forma do clube de jazz dos seus sonhos, onde haveria liberdade para que ele e outros músicos MAKE JAZZ GREAT AGAIN. Ele ainda não chegou lá e enquanto isso mora num apartamento vazio cheio de caixas fechadas, lutando para manter seu emprego de pianista em lugares que não estão nem aí para a sua arte, como o restaurante cujo gerente odeia jazz e exige que ele toque músicas natalinas, lugar onde ele conhece Mia.

Atenção: este texto contém spoilers!

Após se desgostarem, desencontrarem e, mais tarde, se apaixonarem, Mia e Sebastian atingem um limite. Não um limite de um enquanto aguenta o outro ou um limite tóxico de ver as coisas desmoronando e finalmente encontrando seu fim. Atingem uma linha invisível, mas palpável, do que era para ser seu relacionamento. O fim do relacionamento dos dois como casal é inevitável, pois seus maiores sonhos caminham em direções opostas. La La Land emociona, faz com que muitos de nós seguremos as lágrimas enquanto outros nem tentam, e demonstra uma ideia muito bonita e nada clichê para os parâmetros de Hollywood sobre o que é o amor.

Mia e Sebastian se encontram, se apaixonam, e vivem um grande amor em suas vidas, ambos destinados a serem impactados e impactar a vida um do outro. Eles confessam uma última vez o quanto sempre amarão um ao outro e então trilham seus próprios caminhos, bem da forma como deveriam. A tela roda, tudo muda de cenário, e cada um segue com a sua vida, vivendo, sozinhos, o sonho que sempre tiveram. O amor romântico parece não ter ganhado, mas ganhou. A passagem de tempo não apagou o sentimento, não fez com que ele nunca tivesse existido. Pode ser que o término tenha sido difícil, porque términos sempre são, mas a lição que tiramos é que o amor de verdade cultiva e apoia, e por este motivo também sabe a hora de deixar o outro ir.

Se engana quem pensa que La La Land é uma história de amor entre um homem e uma mulher. O filme é a história de amor de um homem e de uma mulher por seus sonhos.

Whiplash, primeiro filme de Chazelle, parece ser um filme sobre música, sobre jazz, mas também é um filme sobre sonhos. É interessante analisar filmografia do diretor lado a lado porque ele mostra nesses filmes duas facetas distintas do sonhar. Whiplash revela seu lado mais feio, cínico, egoísta; um sonho que deve ser buscado de qualquer maneira, ao custo de qualquer pessoa, doa a quem doer e sangre a quem sangrar — parece perfeito para o momento em que vivemos do desencantamento de todas as coisas. La La Land, por sua vez, retrata a busca de um sonho de forma ingênua, mais frágil, romântica, e nem por isso menos ambiciosa. Sonhar dessa forma é de fato uma tarefa árdua nos tempos modernos — uma considerável desvantagem que nossa era pós-tudo carrega em relação aos musicais dos anos 30, quando tudo era difícil, mas também era muito mais simples. O ato simples de ligar a televisão ou abrir as notícias revela isso. Então, sonhar e amar aquilo que se faz é algo ainda mais mítico.

La La Land conta a história de Mia e Sebastian, que deve ter um pouco da história de Emma e Ryan, e também de Damien e de todas as pessoas que batalharam e triunfaram nessa indústria milionária e apaixonada por ela mesma, que adoraria se ver representada mais uma vez em cores tão bonitas. É um filme que encontra espaço no coração de todas as pessoas. Se são mesmo tempos difíceis para os sonhadores é justamente em busca de sonhos como esse que nós sairemos de casa e iremos ao cinema sem pensar duas vezes.

Em sua delicada cena final, o espectador de La La Land é confrontado com um misto de sensações agridoces em um coração quentinho, cheio de leveza e amor. Isso não é um demérito. Isso não faz dele um filme menor. Só não é um filme difícil, tampouco o melhor musical de todos os tempos, mas é impossível negar que Chazelle faz com que a gente sinta. Somos obrigadas a dar isso a ele.

La La Land recebeu 14 indicações, nas categorias de: Melhor Filme; Melhor Diretor (Damien Chazelle); Melhor Ator (Ryan Gosling); Melhor Atriz (Emma Stone); Melhor Roteiro Original (Damien Chazelle); Melhor Fotografia (Linus Sandgren); Melhor Edição (Tom Cross); Melhor Design de Produção (Sandy Reynolds-Wasco e David Wasco); Melhor Figurino (Mary Zophres); Melhor Canção Original (“Audition” e “City of Stars”); Melhor Trilha Sonora (Justin Hurwitz); Melhor Edição de Som (Ai-Ling Lee e Mildred Iatrou Morgan); Melhor Mixagem de Som (Andy Nelson, Ai-Ling Lee e Steve A. Morrow).

Crítica escrita em parceria por Ana Vieira e Anna Vitória.

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