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God help the girl, she needs all the help she can get

Quando God Help the Girl estreou em 2014, lembro de ter buscado o filme incessantemente para assistir. Na ocasião, meu principal incentivo para assisti-lo era a Emily Browning, minha atriz favorita que ocupa o papel principal. Contudo, o que fez God Help the Girl escalar a lista dos meus favoritos foi a história sensível, narrada entre músicas, de uma garota tentando vencer seus transtornos.

Eve (Browning) é uma garota que sofre de anorexia nervosa e mora temporariamente numa clínica de reabilitação, onde está tentando se recuperar da doença. Seu maior combustível nessa jornada é a música — ela compõe e canta músicas sobre aquilo que sente, sobre as experiências que vive, sobre o que ela espera da vida de certo modo. Esse é o ponto principal da história, a tríade formada pela menina, a doença e a música. O filme não explica como Eve desenvolveu sua anorexia, tampouco fornece maiores informações sobre a sua vida fora da clínica. Em certo ponto, sua psiquiatra pergunta sobre a última vez em que ela se sentiu bem, ao que ela responde que não se lembra, apenas sente que sua vida começou a desmoronar depois de ter saído de casa. Até então, nada fora do padrão.

A partir daí, a narrativa é conduzida por meio das músicas. God Help the Girl é um musical, mas não como os grandes. E, melhor adiantar, não é um filme para qualquer um. Na época do lançamento, li diversos comentários sobre o filme e o que mais marcou foi um que dizia que ele passava a sensação de ser um longo videoclipe, o que dá a entender que é entediante e que existe muita música para pouca história, quando, na verdade, a história está contida na música. Mas o filme tem seu público, ainda que pequeno e específico, e, à sua própria maneira, tem valor. No começo do filme, Eve escapa da clínica para ir a um festival de música, e nessa empreitada ela conhece James (Olly Alexander), com quem vai dividir um apartamento depois de conseguir permissão para sair da clínica e tentar retomar uma vida normal. James descobre o talento vocal de Eve com uma canção improvisada; ela responsável pela letra, e ele pela melodia. “The Psychiatrist is In” é uma das minhas favoritas, pois, assim como “Act of the Apostle”, música que revela Eve como uma ex-garota prodígio, sensível, que outrora fora considerada um gênio e agora se sente um caso de esperança quebrado no chão. Soa familiar?

“Grow up you’re nearly twenty-five
What happened when you were a child?”

“Cresça, você tem quase 25 anos 
O que aconteceu quando você era criança?”

Depois entra Cassie (Hannah Murray), uma menina rica para quem James dá aulas particulares de violão, e os três formam uma amizade bastante solta em aparência, uma vez que não demonstram ter muito em comum além do gosto pela música, mas só isso é o suficiente para sustentar a amizade e perceber como ela é genuína pelos diálogos aleatórios. O que há de importante para ser dito é feito por meio das músicas. God Help the Girl é um filme que fala sobre um tema muito importante sem abordá-lo diretamente. O foco dele não é transmitir para o público informações sobre a doença em si, e sim retratar a relação de uma garota com algo que a mantém conectada com a vida apesar do desafio imposto pela anorexia. A história foi inspirada na própria experiência de Stuart Murdoch, líder e vocalista da notória Belle and Sebastian, além de roteirista e diretor do próprio filme, que teve a ideia de uma música e a partir dela viu o filme surgir para contar a história de uma personagem que para ele era muito real.

Quando, em meio à névoa, a busca por maneiras de se ancorar à vida é feita de modo amador, mas ainda assim bastante válida. Externamente, as pessoas neuroatípicas sabem que não vão conseguir se fazer entender, seja pela falta de informação e pelo estigma ainda muito forte na sociedade em relação ao tema, ou simplesmente pela falta de preparo humano da maioria das pessoas na hora de lidar com transtornos psiquiátricos. Por isso, quando conseguem, pessoas que sofrem desses transtornos às vezes encontram sozinhas formas de canalizar seus sentimentos, firmar um relacionamento entre si e um hobby, que nesses casos acabam sendo mais do que um hobby e sim uma maneira de sobrevivência. Embora pouco difundida, a musicoterapia é um dos tratamento paliativos mais eficazes entre os conhecidos, porque há algo de reconfortante em encontrar identificação em versos e melodia. É como apertar um botão escondido e sentir os sentimentos fluírem junto com a determinada canção. Quem é capaz de discordar?

O filme mostra o recorte do sonho de ser compositora como propulsor para que Eve queira sair da clínica, apesar das ressalvas de sua psiquiatra que explica, lá no começo, como o processo de recuperação deve partir das necessidades básicas e assim subir para o próximo nível a fim de garantir a sustentação. E querendo acreditar na efetividade desse fato, Eve tenta. Ela começa a expressar seus sentimentos por meio da escrita e da música ao mesmo tempo em que visualiza uma vida normal fora da clínica. Depois de gravar sua fita demo, ela a entrega para Anton (Pierre Boulanger), vocalista da banda que ela fugiu para ver, e que depois se tornaria seu namorado, para que ele pudesse intermediar a entrega para um programa de rádio. Algo que me chamou a atenção nessa cena foi a fita virgem que Eve usou para gravar sua demo ser da mesma marca que Hannah Baker usou para gravar as fitas contando os motivos que a levaram a tirar a própria vida em 13 Reasons Why. Simbolicamente, um mesmo objeto teve funções absurdamente diferentes atribuídas por personagem que conheceram dores de natureza semelhante, e a dualidade que parte de uma escolha é algo muito importante a ser lembrado.

“(Shadow of the evening time on us is creeping
Come talk, I’d like to know
how are you feeling)”

“(A sombra da noite está se aproximando
Venha conversar, queria saber
como você está se sentindo?)”

No meio da estética leve, God Help The Girl não deixa esquecer que só a música não é suficiente para resolver os problemas, e o clímax (ou o mais próximo que temos disso) mostra a recaída de Eve ao som de “Musician, Please Take Heed”, quando seu estado depressivo volta com a revelação de que Anton jamais chega a entregar a fita que Eve lhe confiou, dizendo que as letras dela eram deprimentes e egocêntricas. “Quero uma história com um final feliz”, ela diz, e felizmente é resgatada a tempo, com a graça de Deus — porque, embora seja difícil para os ateus acreditarem, talvez Deus esteja realmente ajudando a garota, e o filme fala um pouco disso também. Os versos que falam sobre religião não são inseridos pensando nos preceitos radicais e na única maneira de obter a salvação eterna da alma, mas como um conforto espiritual o qual muitas pessoas recorrem em situações adversas sem qualquer imposição ou julgamento, só a crença livre de que no meio das sombras há luz. Ao mesmo tempo em que Eve se cuida física e mentalmente na clínica, com tratamento e remédios, ela também procura cuidar da alma com uma senhora que diz poder curá-la com as mãos. Ela aceita, apesar da incerteza, e decide que o quer para sua vida é melhorar de uma vez por todas.

Com isso, pode ser que God Help the Girl não seja a maior produção cinematográfica da última década — afinal, não se pode esperar muito de um filme produzido com orçamento de Kickstarter (apesar de ganhar o Prêmio Especial do Júri no Festival Sundance em 2014) —, mas relevando os aspectos técnicos, e abrindo o coração para o trajetória que God Help the Girl conta, ele termina por ser aquela mensagem de esperança e o carinho na alma que ameniza os momentos difíceis.