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A força das mulheres em The 100

The 100, a série distópica da CW baseada nos livros de Kass Morgan, só entrou na minha vida quando a primeira temporada já estava disponível na Netflix. Era mais um daqueles dias sem muito o que fazer e eu abri o catálogo do serviço de streaming para tentar encontrar algo com o que ocupar meu tempo. Passei por muitos filmes, séries e documentários até parar em uma série que parecia mais do mesmo. Qual não foi minha surpresa ao terminar o primeiro episódio totalmente viciada no que estava assistindo?

É verdade que a série nem sempre manteve a qualidade constante, mas nesse momento eu já estava muito envolvida com os personagens para me importar. O enredo da série — e dos livros em que foi baseada — é o seguinte: após uma grande guerra nuclear devastar a Terra, os únicos sobreviventes são aqueles que, à época, viviam em uma das 12 estações espaciais que circundava nosso planeta. Quase 100 anos depois, aquelas 12 estações estão unidas e, batizadas de A Arca, encontram-se no limite de sua capacidade e não têm mais recursos para manter a vida das mais de 4 mil pessoas que ali se encontram. Dessa maneira, o líder dessa comunidade, o Chanceler Thelonious Jaha (Isaiah Washington), toma a decisão de enviar à Terra 100 jovens para tentar descobrir se o planeta já é novamente habitável.

A escolha dos 100 não é aleatória. Como os recursos da Arca são limitados, qualquer um que cometa crimes dentro da estação são ejetados para o espaço, ou seja, tudo é punido com a morte a não ser que você ainda não tenha 18 anos completos. Nesse contexto, os jovens que descumprem as regras ficam presos até serem julgados ao atingirem a maioridade. Para seu experimento de descobrir se a Terra é novamente habitável, 100 desses jovens delinquentes são enviados para o desconhecido apenas com a esperança de que sua jornada não seja em vão. E é aí que a série começa a mostrar a que veio, colocando um bando de adolescentes despreparados lutando por sua sobrevivência em um ambiente hostil e desconhecido enquanto os outros, na Arca, sem comunicação direta com eles, só podem imaginar o que lhes aconteceu.

Embora a série apresente personagens diversos e vários pontos de vista, a protagonista é Clarke Griffin (Eliza Taylor), uma garota que não brinca em serviço e acaba se destacando como líder dos 100. Clarke é a protagonista, sem dúvidas, mas a série não se prende apenas à ela e nos entrega uma boa quantidade de personagens femininas bem construídas, complexas e verossímeis, tudo aquilo que esperamos de uma história bem contada. Misturando um universo pós-apocalíptico, tramas políticas e dilemas sociais, The 100 surpreende por tratar de maneira realista a luta pela sobrevivência sempre demonstrando como seus personagens são resilientes e conseguem se adaptar, aprender e crescer em meio ao desconhecido. E nesse aspecto as mulheres não devem nada à nenhum personagem masculino e são elas, muitas vezes, que fazem a história avançar. Esse texto é uma homenagem à elas.

Clarke Griffin

the 100

No meio do grupo dos 100 que chegam à Terra, Clarke se destaca por ser a pessoa mais centrada, senão a mais preparada, para lidar com a situação adversa que precisam encarar. Os motivos pelos quais ela foi presa, ainda na Arca, não são explicados imediatamente — e isso faz parte da graça de acompanhar a primeira temporada —, mas sabemos que ela não é simplesmente uma adolescente delinquente. Clarke tomava notas em suas aulas, se dedicava e até começou a ser treinada pela mãe em medicina enquanto estava na Arca, o que, de certa forma, a torna uma componente imprescindível no grupo, sendo de extrema ajuda nos momentos em que seus amigos se ferem ou ficam doentes.

Aos poucos Clarke também passa a transitar pela política, aprendendo a negociar com os grounders (os humanos que sobreviveram e continuaram na Terra mesmo após a devastação nuclear) e lidando com suas diferenças. Clarke é inteligente e inventiva, e boa parte da trama se desenvolve ao redor e por conta dela. Além de toda a sua força para lidar com o desconhecido, Clarke se mostra uma personagem repleta de nuances e camadas: há toda uma mágoa em relação à sua mãe, Abby, e a morte de seu pai, e só vamos descobrir seus motivos com o decorrer dos episódios. Outro ponto importantíssimo no que se refere à Clarke é sua sexualidade: ela lida naturalmente com o fato de ser bissexual (embora a série nunca diga isso com todas as letras) e é um frescor encontrar uma protagonista que represente a sigla ‘b’, em LGBTQI+, que não seja estereotipada.

Abby Griffin

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A mãe de Clarke, Abby (Paige Turco) foi, durante muito anos, a chefe do setor médico da Arca e membro do conselho da estação. Durante um período também foi Chanceler na Terra quando o restante da Arca chegou ao planeta, procurando, da melhor maneira possível, uma maneira de manter todos a salvo. Abby precisou lidar, ainda na Arca, com a morte do marido e o envio da filha, Clarke, para a Terra, nos mostrando que ela é uma mulher resistente e resiliente. Além de lidar com as dores pessoais, Abby sempre foi peça chave para o perfeito funcionamento da Arca, aconselhando de maneira sábia e lidando com os feridos e doentes na ala médica.

Abby vai ganhando cada vez mais espaço na trama com o decorrer dos episódios, sempre lutando por aquilo em que acredita — mesmo que isso contrarie o líder (ou líderes) de sua comunidade. Ela toma decisões arriscadas — uma característica que divide com Clarke — e nem sempre está certa, mas tudo o que faz é pensando no bem estar dos seus. Quando se reencontra com Clarke, já na Terra, Abby tem um pouco de dificuldade em lidar com a nova mulher que tem diante dos olhos, o que promove alguns episódios de tensão entre elas. Tanto Abby quanto Clarke precisam aprender a lidar com a nova pessoa que ambas se transformaram depois de todos os percalços por que passaram para sobreviver.

Octavia Blake

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Uma das personagens mais interessantes da trama e que, a princípio, parecia ser apenas mais do mesmo, é Octavia Blake (Marie Avgeropoulos). Quando somos apresentados a ela, logo no início da série, é difícil dizer que aquela menina se transformaria em uma guerreira da melhor qualidade. A história pregressa de Octavia também nos mostra que ela conheceu desde cedo as adversidades da vida, fazendo seu melhor para não esmorecer ou desistir. Octavia encara o envio para a Terra como uma coisa positiva, principalmente ao levar em consideração a maneira como vivia na Arca.

E é na Terra que Octavia mostra todo o seu potencial. Além de se envolver romanticamente com um grounder, é ela quem primeiro se adapta e reconhece a cultura deles. A princípio coletando informações para o seu povo, aos poucos Octavia se sente parte da cultura grounder de um jeito que nunca sentiu ao viver na Arca — muito por conta das regras rígidas a que era submetida enquanto vivia na estação. A evolução de Octavia durante os episódios é intensa e incrível de acompanhar: da irmã mais nova e bonitinha de Bellamy Blake (Bob Morley), terminamos os episódios exibidos totalmente encantados por sua coragem, força de caráter e resistência.

Raven Reyes

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Raven (Lindsey Morgan) não vem para a Terra junto com os primeiros 100, mas por conta própria: com habilidades em engenharia mecânica e química, Raven consegue reformar uma nave de emergência e foge para a Terra com o intuito de se juntar ao seu namorado, Finn (Thomas McDonell). Se seu motivo, no início, era puramente passional, Raven se torna peça vital para a manutenção do acampamento na Terra: é ela a responsável por criar um rádio capaz de se comunicar com a Arca quando todos os outros meios de comunicação não funcionam, é ela que constrói walkie-talkies, balas, granadas e bombas quando os 100 precisam se proteger dos ataques dos grounders, e é ela quem desvenda mistérios inimagináveis.

Se todas as mulheres de The 100 são resilientes, Raven talvez seja a mais forte de todas. A moça sofre um bocado durante a série, mas, por mais difícil e sem saída que a situação pareça, Raven sempre consegue buscar forças no infinito para se reerguer. A maneira como lida com as perdas de sua vida e as pedras no caminho é verdadeiramente inspiradora.

Lexa

Lexa (Alycia Debnam-Carey) aparece pela primeira vez apenas na segunda temporada de The 100, mas não demora a mostrar a que veio. Ela é a comandante dos 12 clãs de grounders e a responsável por unificá-los, algo até então impensável para um grupo que vivia guerreando entre si. Lexa é firme e coerente em sua decisões e, assim como Clarke, está sempre disposta a fazer o que for necessário para proteger seu povo. As similaridades entre elas não terminam por aí e alianças importantes acontecerão entre as duas com o objetivo de proteger tanto os grounders quanto o sky people (o pessoal que veio da Arca).

Treinada desde criança como guerreira, Lexa faz parte dos nascidos com o chamado Nightblood o que, na tradição dos grounders, identifica aqueles que são aptos a governá-los. Embora ela tenha nascido predestinada, precisa lutar por sua sobrevivência e pelo lugar de comandante — e quando digo lutar, quero dizer literalmente e até a morte. Lexa vence todos os seus oponentes e se torna comandante não somente por suas habilidades de batalha mas também por sua inteligência e raciocínio lógico: Lexa é vista como uma comandante poderosa e visionária, uma guerreira que não mostra misericórdia aos seus inimigos e que faz todo o possível para proteger seu povo. Ainda que seja fria e calculista no que se refere ao seu governo, Lexa se importa muito com aqueles que ama e isso, por vezes, pode influenciar suas decisões. Outra importante característica de Lexa é o fato da personagem ser lésbica e, embora isso seja excelente para uma personagem tão maravilhosa, nos mostrou que roteiristas ainda não sabem lidar com a diversidade de maneira adequada.

Indra

Não se sabe muito sobre a vida de Indra (Adina Porter) antes da guerreira se tornar líder do exército de Lexa, mas tudo o que precisamos saber é que ela é incrível e chuta bundas com muito estilo. Indra não é de conversas, é bastante série e fiel aos seus princípios, portanto ela demora a crer nas boas intenções de Clarke e companhia. Embora resista de início, Indra também acaba por se transformar na mentora (relutante) de Octavia, construindo junto da moça uma parceria inusitada e muito bonita.

Indra é o tipo de mulher que não leva desaforo pra casa, é resiliente e está sempre pronta a se provar capaz de sua posição. Ela é uma guerreira habilidosa e uma estrategista ímpar, leal à Lexa e extremamente experiente no que faz.

3 comentários

  1. A sexualidade da Clarke pode não ser tão estereotipada, mas em séries, quando o relacionamento é entre bi e lésbicas e precisam manter o padrão de matar alguém, é sempre a lésbica que morre (porque a bi tem a salvação masculina ainda). E imagino que isso ajude a perpetuar o preconceito com bissexuais na comunidade LGBT. =(

    1. Isso, infelizmente, é uma verdade dura e triste. E não é a toa que todos ficaram completamente revoltados com o desfecho da Lexa na 3ª temporada, ainda mais depois que ela e Clarke finalmente acertaram. =/

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