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Encontros e Desencontros

Em um passado não tão distante e num futuro não tão inimaginável, uma mesma sensação de estar perdido entre milhões. Esses são os principais pontos de Encontros e Desencontros e Ela, dois filmes que se parecem muito com a vida. Os dois longas foram premiados com o Oscar de Melhor Roteiro Original em 2003 e 2014, respectivamente, e merecem todos os aplausos que ganharam.

Sofia Coppola, roteirista e diretora de Encontros e Desencontros, lançou o filme no ano do seu divórcio com Spike Jonze, roteirista e diretor de Ela. Os dois filmes poderiam se misturar e se completar, e assistir aos dois como um combo, além de uma ótima experiência, levanta uma questão pertinente: teria um filme conexão com o outro?

Jonze e Coppola foram casados por quatro anos e, antes disso, mantiveram uma grande amizade. Em 2003, Spike dirigia clipes e era extremamente demandado na indústria musical, enquanto Sofia, apesar de não ser mais estreante (em 1999 ela dirigiu As Virgens Suicidas, adaptação homônima do livro de Jeffrey Eugenides), dava passos ansiosos para fora da sombra gigantesca de seu pai, Francis Ford Coppola, diretor da saga O Poderoso Chefão.

Em Encontros e Desencontros, Charlotte, interpretada por Scarlett Johansson, é uma jovem recém-casada, cujo relacionamento escoa por seus dedos. Ela está em Tóquio acompanhando o marido em uma viagem de trabalho e mesmo assim sente dificuldade em fazer parte da vida dele. Essa é uma dentre as muitas questões com que a jovem tenta lidar.

Charlotte está perdida, sentindo-se solitária e deslocada, beirando a apatia — não fosse a plena consciência de estar e sentir-se assim. Ela coloca em questão a dificuldade em “ser uma pessoa de verdade”. No hotel onde está hospedada ela conhece Bob Harris (Bill Murray), um ator em crise de meia-idade que se torna seu amigo e parceiro. Em certo momento, enquanto conversam, Charlotte revela a Bob o quão mediana se sente. E em meio de tudo isso, atolado em trabalhos, seu marido não percebe o quão desconectados ele e sua esposa se encontram — ou a forma como se desencontram.

Poderíamos dizer que a personagem representa a vida de Sofia na época? Quando confrontada sobre Encontros e Desencontros ser um filme com aspectos autobiográficos, Sofia insiste: “Não é Spike [o marido relapso do filme], mas há elementos dele ali, elementos de experiências. Há elementos de mim em todos os personagens”.

Já no filme de Jonze, Theodore, interpretado por Joaquin Phoenix, tem que lidar com o término de um casamento que poderia ser muito, mas que caiu por terra. Theodore está perdido, sentindo-se solitário, contando a si mesmo uma história que já acabou — e tendo que lidar com a sua culpa nisso. Ele reconhece seus erros, sua inabilidade em se conectar e sabe o quanto pode ter sido (e foi!) difícil para sua ex-esposa, Catherine (Rooney Mara).

Para lidar com isso, Theodore conta então com ajuda de Samantha, um sistema operacional que no filme é dublado por ninguém menos que Scarlett Johansson. E, de forma parecida ao filme de Coppola, ele desenvolve sentimentos por Samantha da mesma forma que acontece com Charlotte e Bob.

Enquanto Charlotte obteve a ajuda de um desconhecido, Theodore obteve ajuda de algo (talvez) não tão real assim. Assistimos a ambos sofrerem com problemas para dormir, problemas para sentir e, ainda, problemas para colocar em palavras o que quer que seja que está acontecendo. Tudo isso em uma realidade dura de modernas e populosas cidades, sob uma aura de pressão que os instiga a serem felizes — eles são jovens e podem amar e correr atrás do que quer que seja, e a frustração é palpável quando tudo o que sentem é um punhado de confusas inseguranças.

Os filmes se encaixam na realidade de muitas pessoas. Charlotte poderia ser eu ou você, Theodore poderia ser eu ou você, presos em suas existências com um punhado de questões a serem resolvidas e sem a perspectiva de resposta para nenhuma delas — tudo isso enquanto sentem o peso do mundo nas costas. É fácil enxergar o porquê da identificação: a delicadeza e a sutileza com que foram trabalhados os sentimentos e sensações fazem com que ambos os filmes abracem de forma amigável alguns dos milhares de desajustados daqui, da vida real. Sinto mil formas de empatia por Theodore, e outras dez mil por Charlotte.

Enquanto Theodore fala comigo por sua dificuldade gritante em conseguir ordenar os sentimentos, expressá-los de forma coesa, e suas ocasionais falhas nessa coisa que chamamos de vida, eu também enxergo o quanto deve ter sido difícil estar do outro lado. Theodore é relativamente bem sucedido, e, apesar de suas tremendas dificuldades, o mundo espera menos dele do que espera de Charlotte (ou Catherine).

A insegurança atinge a minha a vida e a de muitas pessoas que sofrem com isso.  Mas ser uma jovem ou mulher insegura são outros quinhentos.

Às vezes de berço, às vezes pela criação, às vezes pelo mundo, e às vezes isso tudo combinado promove uma cobrança exorbitante ao ser mulher. Que sejamos lindas, doces, jovens, inteligentes, que saibamos nos expressar, que tenhamos controle de tudo, que não nos ofendamos quando nos tratam mal. Ficar quietas, descobrir o que tem de errado para depois, sozinhas, resolvermos os abacaxis da família, da amizade, do casamento.

Charlotte estava sozinha, posta de lado, assistindo seu marido se afastar e fazendo um total de zero esforço para mudar a situação. Catherine duvidava de si mesma, mas encontrava no casamento uma forma de mútuo apoio — até que foi, também, colocada de lado porque… sentia demais? Não sabemos com certeza. Mas é com toda certeza que Theodore não conseguiu lidar sozinho com o fim de algo e precisou da ajuda de Samantha, uma mulher, para que superasse o fato de que seu casamento havia acabado e que sim, ele próprio havia cometido erros. Sentimentos são os únicos fatos, mas a gente sabe que eles são tão mais simples quando não temos que lidar com seu lado difícil — pelo menos é isso que Catherine joga na cara de Theodore, colocando tudo que ele está vivendo sob outra ótica.

Por mais que na imaginação eu tenha abraçado Theodore algumas centenas de vezes, repetindo para ele que tudo ia ficar bem, quis ainda mais comprar um vinho e bater um papo com Charlotte e Catherine. Dizer pra elas que a culpa não é delas, que algumas coisas simplesmente são e que aquele casamento, infelizmente, não era. O amor existe, o crescimento existe, mas, de fato, às vezes crescemos e nos distanciamos (“sometimes when people grow, they grow apart”), e fazer de um relacionamento uma guerra que a gente tem que lutar é mais cansativo do que reconfortante. E nós todas já temos canseiras o suficiente no nosso prato para termos que insistir em algo que não flui.

Let it go, sisters. Há um mundão de oportunidades por aí (até um Oscar, por exemplo).

4 comentários

  1. “Charlotte poderia ser eu ou você, Theodore poderia ser eu ou você, presos em suas existências com um punhado de questões a serem resolvidas e sem a perspectiva de resposta pra nenhuma delas – tudo isso enquanto sentem o peso do mundo nas costas. ” SIM SIM SIMMMMMMMM

    Her é de longe um dos meus filmes preferidos. A trilha sonora é incrível também…

    texto maravilhoso! Quero assistir Encontros e Desencontros agora…

    1. Nay, a trilha sonora de Lost in Translation é igualmente apaixonante. Até fiz uma playlist misturando as duas trilhas pra poder curtir quando bate a vibe. <3 E não deixe de assistir, o filme é ótimo! Beijo!

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