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Dolly Parton: um símbolo de resistência no mundo da country music

“Don’t think I’m dumb
‘Cause this dumb blond ain’t nobody’s fool”

“Não pense que sou burra
Porque essa loira burra não é brinquedo de ninguém”

Toda vez que penso no refrão de “Dumb Blond”, primeiro hit de Dolly Parton, que abre este texto, um sorriso irônico escapa de meus lábios. Se você analisar a letra da música, concordará que existe uma ironia entre a letra e quem a canta. Porque de “dumb” [burra] Dolly Parton nunca teve nada. Outro trecho da mesma música rapidamente vem à mente: and you know if there’s one thing this blond has learned/blonds have more fun [e, você sabe, se tem uma coisa que essa loira aprendeu, é que as loiras se divertem mais]. De fato, ninguém se divertiu mais do que Dolly Parton. Do disco ao country, a cantora já passeou por todos os gêneros musicais. Ela já fez cinema. Ela tem o próprio parque de diversões, a Dollyland, uma espécie de culto a si mesma. Estamos sempre conhecendo uma nova faceta de Dolly.

A “loira burra” estava o tempo inteiro tirando com a nossa cara, com o fato de acharmos que ela apenas se resumia a um estilo de música ou a um determinado jeito de se vestir. Enquanto isso, Dolly se tornou uma das maiores cantoras de country estadunidense. Para mim, além do talento inegável, Dolly é um símbolo de resistência dentro de um gênero musical tão machista e conservador. Apenas por essa razão, ela já é merecedora de um texto só sobre ela.

Dolly Parton: The Platinum Blonde é um documentário britânico para a televisão, feito em 2003. Ele retrata a trajetória da cantora, um dos maiores símbolos norte-americanos quando falamos de música country. Ao terminar de assistir The Platinum Blonde, pensei que essa seria a oportunidade ideal para falar sobre uma de minhas grandes paixões musicais, o country, com uma pitada de problematização. E, claro, para enaltecer Dolly Parton, que merece ter o trabalho descoberto e reconhecido por fãs, ou não fãs, de country.

Dolly Parton

Foi Loretta Lynn quem abriu as portas da música country para mim. Foi a primeira mulher que escutei cantando esse tipo de música, e a surpresa foi total. Como assim, mulheres também podem? Sim, elas podiam. Elas podiam desafiar os padrões da época e escrever canções sobre o uso da pílula anticoncepcional, como “The Pill:

“I’m tired of your crowin’
How you and your hens play
While holdin’ a couple in my arms
Another’s on the way
This chicken’s done tore up her nest
And I’m ready to make a deal
And ya can’t afford to turn it down
Cause you know I’ve got the pill”

Censurada na rádio e motivo de comentários no YouTube até hoje, “The Pill” fez com que eu abraçasse o country cantado por mulheres e não soltasse mais. Logo depois, descobri “Rated X, outra canção de Loretta, que fala sobre como a figura da ex-mulher é mal vista na sociedade. Eu não acreditava que pudesse ser verdade. Como um gênero tão misógino quanto o country, vindo de onde vem, poderia tolerar essas cantoras?

Dolly Parton

Ironicamente, Dolly foi a última das cantoras do dito country “clássico” que conheci. Confesso que boa parte disso se deveu ao meu preconceito em relação à aparência dela. Eu pensava: como essa peituda pode ser talentosa? Como boa parte das pessoas, estava enxergando apenas a superfície. É fácil apontar a aparência de uma mulher, difícil mesmo é reconhecer o talento dela.

Parton, assim como Loretta e outras cantoras do gênero, teve um início difícil. Nascida em uma família de 16 irmãos que morava nas montanhas do Tennessee, vinha de origens tão pobres que não tinha sequer eletricidade e a família fabricava tudo o que comia. Os parentes por parte da mãe de Dolly cantavam e foi no seio da família que nasceu a paixão pelo canto. O tio da cantora, Billy, foi a primeira pessoa que se ateve de verdade ao talento da pequena Dolly. Ele a levou para cantar no rádio quando ela ainda tinha dez anos e, depois, eles fizeram uma pequena turnê pelos Estados Unidos cantando juntos.

Nos anos 60, a country music não tocava nas rádios por causa da falta de “apelo comercial” em relação ao público mais jovem. O grande nome associado ao country naquele momento era o de Patsy Cline, uma das inspirações para o novo álbum de Lady GagaJoanne. Patsy fazia muito sucesso porque misturava o som country com pitadas de música popular. Ela morreu em um acidente trágico, e a “vaga” de maior cantora country ficou vaga. É claro que Dolly não substituiu Cline, mas o fascínio que a primeira exercia era/é muito parecido ao de Patsy durante os anos 50.

“Dumb Blond” foi o primeiro sucesso de Dolly e isso atraiu os olhares de Porter Wagoner, cantor country que tinha um programa de televisão no sul dos EUA. Ele a convidou para fazer parte do casting de The Porter Wagoner Show e assim começou uma parceria que duraria sete anos. Os primeiros álbuns de Dolly foram produzidos por Porter, e ele se tornou, por assim dizer, o mentor dela. Wagoner sempre teve o sentimento de que moldara a cantora, o que se manifestava pelo fato de ele simplesmente não ligar para o que Parton queria. Ele tinha certeza de que sabia o que era melhor para ela. Paralelamente, Dolly começou a fazer muito sucesso, ofuscando Porter. Havia ficado bem claro, naquele período, que o programa dele era muito mais sobre Dolly do que sobre ele. Era a hora do adeus.

Em 1974, Dolly conseguiu sair da aba de Porter, não sem carregar um processo iniciado pelo cantor. Como a própria cantora relata no documentário, ela não ligou em dar dinheiro para ele, desde que isso garantisse a liberdade dela enquanto cantora e compositora. Realmente, se colocarmos na balança o que a dissociação de Porter trouxe, o dinheiro pago pela cantora é um monte de nada.

A independência de Porter Wagoner foi inaugurada com o álbum Jolene, contendo dois de seus maiores sucessos, “Jolene e “I Will Always Love You“. A partir daí, Dolly tomou as rédeas de sua carreira nas mãos, ou seja, passou a obter o direito sobre as músicas que compunha, algo bastante incomum nos anos 70. A cantora era tão protetora em relação a suas canções que recusou o pedido de Elvis Presley para gravar “I Will Always Love You”.

Como disse anteriormente, Dolly Parton é um camaleão quando se trata de reinventar sua persona. Em 1975, partiu para Hollywood e sua carreira tomou alguns rumos inesperados. Tivemos o álbum Heartbreaker, que praticamente a tirou da zona de conforto. Isso porque todas as faixas foram altamente influenciadas pela música disco. De repente, Dolly Parton estava tocando nas boates dos Estados Unidos. E se as pessoas não estavam preparadas para que a música de Dolly se espalhasse por mares dantes nunca navegados, o que elas diriam, nos anos 80, quando a cantora partiria para o cinema?

Como Eliminar Seu Chefe : Dabney Coleman, Dolly Parton, Jane Fonda, Lily Tomlin

Dolly levou para o cinema todo o seu fogo e música. Afinal, cantar, como diria a atriz Lily Tomlin, é uma forma de atuar. Como Eliminar seu Chefe (9 to 5) foi o début de Parton nos filmes, ao lado de nomes de peso como Jane Fonda e Lily Tomlin. O projeto foi financiado por Jane Fonda e contava a história de três funcionárias que, cansadas de sofrerem abusos do chefe, decidem matá-lo. É uma fábula divertida para expor como o trabalho poderia ser um ambiente opressor para mulheres. Contudo, a genialidade de Dolly não está apenas na maneira interpretou seu papel, mas no fato de que a trilha sonora, que dá nome ao filme, também é de autoria dela. “9 to 5“, a canção escrita por ela e com os vocais das atrizes do filme, é um hino que expõe algumas feridas sobre o que ser uma mulher trabalhadora:

“They let your dream
Just a’ watch ‘em shatter
You’re just a step
On the boss man’s a’ ladder
But you got dream he’ll never take away”

“Eles deixam você sonhar
Só para vê-los se quebrar
Você é só um degrau
Na escada do seu chefe
Mas você tem um sonho que ele nunca vai tirar”

Aliás, o álbum em que essa música figura, 9 to 5 and Odd Jobs, se propõe a falar da vida dos trabalhadores nos Estados Unidos. Faixas sobre imigrantes (“Deportee”) e operárias (“Working Girl”) fazem desse álbum uma espécie de tapa com luva de pelica na dura realidade trabalhista dos americanos.

Mas por que, então, informações tão fascinantes quanto essas são desconhecidas? Há um detalhe muito importante que deve ser levado em consideração ao falarmos sobre Dolly Parton: ela é uma mulher. Ela é uma mulher no meio country, talentosa, possui os direitos autorais das próprias canções e ganha muito dinheiro. Logo, é até lógico depreciá-la pelo fato de que sua cintura diminui e seus seios aumentam a cada ano. A sociedade patriarcal não está interessada em celebrar a dumb blond que se mantém na ativa e continua a realizar turnês mundo afora. Ao ter escolhido a música como companheira, Dolly está sempre lembrando que é a única responsável por seu sucesso. Não há ninguém por trás dela; apenas ela. Quando vejo Dolly respondendo a provocações com tanta sagacidade e ironia, percebo que ela é tão segura e confiante de si que é capaz de fazer piada com aquilo que as pessoas acham que ela é. “Para parecer tão barata assim, você precisa de muito dinheiro” é uma dessas respostas sarcásticas que ela deu ao ser indagada sobre seu visual extravagante.

Dolly Parton

No fim das contas, Dolly Parton é uma lembrança constante de que a country music não é mais um gênero masculino. Talvez nunca tenha sido. Dolly carrega consigo o pesado fardo de musa do country. Isso significa que ela sempre será um rosto bonito, com seus longos cabelos louros e roupas apertadas. E só. O status de musa, muitas vezes, só está lá como enfeite. Ela nunca será levada a sério como seus companheiros masculinos. Por isso, Dolly é tão depreciada pela mídia, pois ela é aceita apenas como uma piada e um enfeite. Tudo o que tente sair disso é automaticamente excluído. Em qualquer entrevista com Dolly a qual você assista sempre haverá algum tipo de pergunta relacionada a sua aparência.

A resistência de Dolly Parton às críticas e aos comentários machistas abriu a porta para que novas cantoras pudessem se estabelecer no country. Taylor Swift e Carrie Underwood, por exemplo, têm uma pegada bastante diferente de Dolly, mostrando que um gênero musical pode sempre se reinventar e atrair público. O terreno da country music não está menos machista do que ontem, mas certamente mais fácil de pisar.

5 comentários

  1. Texto muito bem escrito. Parabéns. Amo o sorriso da Dolly enquanto canta, são poucas as cantoras que cantam bem e sorrindo ao mesmo tempo.

  2. Como pesquisador tenho curiosidade sobre as origens das coisas neste caso a musica, anos atrás assisti um filme que tinha a música I WILL ALLWAYS LOVE YOU e depois do suscesso com Whitney ,fiquei curioso em saber quem era o autor(a) da canção.
    Como no filme a musica era country me surpreendi em saber quem era a autora,agora também sabendo da estória ,ficou mais interessante ainda,pretendo divulga-la na roda de amigos ;
    Um salve a Diva do country Dolly Parton e obrigado Jéssica pela dedicação por mais uma historia vida

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