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Crítica: Logan

“É 2029, por que ainda estamos falando sobre mutantes?”

Essa é uma das primeiras falas de Logan, filme que conta a última história de Wolverine (Hugh Jackman) em um futuro em que os X-Men já não existem e a única batalha a ser travada é pela sobrevivência.

Em 2017, no entanto, onde temos séries como Stranger Things, mutantes continuam a dar muito pano para manga. E a referência não é a única. O próprio Hugh Jackman, na coletiva de imprensa que aconteceu em São Paulo no dia 19/02, disse que Logan é um road movie (filme de estrada, em tradução livre) parecido com Pequena Miss Sunshine — caso Miss Sunshine (Abigail Breslin) tivesse se perdido com Will (Noah Schnapp) no Mundo Invertido. Mas se em 2017 o mundo não está fácil, em 2029 a situação é muito pior.

Quando eu era pequena, não conseguia diferenciar filmes de crianças dos filmes que têm crianças no elenco. Meus pais tentavam explicar para me impedir de assistir filmes que talvez não fossem muito apropriados para a minha faixa etária, mas eu teimava: se a criança está na tela, por que uma criança não pode assistir? Se os filmes da franquia X-Men tinham o apelo infantil por lembrar os quadrinhos e o desenho animado, Logan, no entanto, passa longe desse público. “É um filme adulto”, explicou Hugh Jackman, para diferenciar Logan de outros filmes de herói. Para um personagem que sempre fugiu desse rótulo, ao contrário de seus parceiros, não é uma surpresa; as batalhas de Wolverine sempre pareceram mais individuais do que coletivas, o que o afasta da jornada clássica do herói e o aproxima da figura que é o seu oposto: o anti-herói.

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Atenção: este texto contém spoilers!

No filme, Wolverine ganha mais desenvolvimento, mas continua o mesmo. Ele não está interessado em tornar o mundo um lugar apropriado para mutantes, ele não quer uma revolução. Não há mais esperança, não há mais heróis. O que restou foi o Professor Xavier (Patrick Stewart), antes o grande líder dos X-Men e agora um nonagenário com uma doença degenerativa do cérebro, e Wolverine, antes indestrutível e agora nem tão indestrutível assim, que ganha a vida dirigindo e cobrando corridas por um aplicativo.

Uma das protagonistas do filme pode ser uma criança, mas é uma criança impossibilitada de viver como uma criança: é dado a ela o fardo de viver em um mundo em que ser mutante é uma questão de matar ou morrer. Diferente de Eleven (Millie Bobby Brown de Stranger Things), a criança tem nome: Laura (Dafne Keen), mas ter um nome não é sinônimo de ter identidade. Laura — junto de várias outras crianças — é também criada em um laboratório, formada a partir de materiais genéticos de diferentes mutantes que foram implantados em barrigas de aluguel — mulheres mexicanas cujas identidades também foram roubadas.

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Laura pode não viver como uma criança, mas ela pode sonhar como uma. A única esperança para ela e outros mutantes que conseguiram fugir do laboratório é o paraíso prometido numa revista em quadrinhos, o Éden. 2029 pode não ser um ano para mutantes, mas nos desenhos, os X-Men continuam sendo os heróis. Mesmo privada de uma infância adequada, é a criança Laura quem convence Logan a deixar tudo de lado para salvá-la, apesar de todas as vezes que ele tentou deixá-la de lado para salvar a própria vida e a de Xavier. Não que Laura seja indefesa, muito pelo contrário: ela foi criada para ser uma máquina de extermínio e faz esse trabalho muito bem — e chega a ser desconfortável tantas cenas de violência envolvendo uma criança. Mas Laura não é uma máquina e a violência não só nos incomoda como incomoda a ela também. Um dos pontos altos do filme é quando Logan e Laura, pai e filha, ambos criados artificialmente em laboratórios, se confidenciam a marca que a violência deixa para sempre. “Não seja aquilo que eles fizeram de você, seja você mesma”, é esse o único conselho de Logan para sua filha e é também o seu mais importante legado.

Logan é um filme de contrastes: os superpoderes definham por causa de uma doença degenerativa, o mutante invencível não consegue se regenerar como antes; a única esperança é uma promessa ficcional carregada por uma criança. Será possível haver um final feliz?

Toda a divulgação do filme foi feita em cima da notícia de que esse seria o último filme de Hugh Jackman como Wolverine. É o momento de despedida do personagem, é um momento de conclusões. É um momento para términos. E o filme realmente entrega términos. É o último filme de Hugh Jackman como Logan e é também o último filme do Logan. Se filmes de super-heróis às vezes falham em fechar ciclos, Logan faz esse trabalho muito bem. Em meio a tantas franquias e séries de filmes, é um alívio sair do cinema com o sentimento de fim.

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2029 não é um bom ano para ser mutante; para ser diferente e querer sua autonomia, liberdade e identidade. Mas 2017 também não é um bom ano para querer todas essas coisas. É quase impossível assistir Logan e não relacioná-lo com a realidade política atual. Em um filme em que um grupo de crianças subversivas se colocam contra homens brancos que querem dominá-las e lutam para chegar até a fronteira, onde finalmente — e supostamente — estariam salvas, e é difícil não tirar daí uma metáfora para o mundo real.

Os Estados Unidos elegeram um presidente que publicamente se coloca contra imigrantes em um país que foi constituído por imigrantes. Os EUA elegeram um presidente que quer construir um muro para separar seu país de outro; um presidente que ameaça qualquer um que não seja como ele: homem, branco e heterossexual. Mas ao mesmo tempo, os EUA produzem um filme como Logan, em que o vilão não é um personagem alegórico e misterioso de origem árabe ou russa. O vilão é o homem branco que acha que algumas vidas humanas valem mais do que outras e que cabe a ele decidir quem deve morrer e quem merece permanecer vivo. O vilão do filme é derrotado no final, mas há ainda um longo caminho para derrotar os vilões da vida real.

Logan é um filme triste porque se passa em um mundo onde não há mais heróis, há apenas vilões. É também um filme bastante violento. Apesar de ter menos violência explícita do que os outros da franquia X-Men, aqui a violência é mais impactante e crua, menos alegórica. Um mundo sem heróis é um mundo sem esperança. Mas ainda é um filme que emociona. Na sala de cinema, os sons do filme foram abafados por soluços e foi só olhar para os lados para perceber que todo mundo na sala estava chorando, o que não é uma reação muito comum em filmes de ação e de super-heróis.

Não há mais esperança, mas ainda há a resistência.

Logan recebeu 1 indicação ao Oscar, na categoria de Melhor Roteiro Adaptado

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