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Crítica: Homem-Aranha: De Volta ao Lar

Antes de iniciar essa crítica, preciso fazer uma confissão: quando anunciaram que fariam uma terceira encarnação para o Homem-Aranha nos cinemas, pensei comigo mesma que não havia necessidade de ser feito mais um filme para o Cabeça de Teia. Já tínhamos passado pelo Peter Parker adorkable de Tobey Maguire e pelo hipster de Andrew Garfield; do que mais a gente precisava? Ainda que exista o apelo do personagem, que é favorito de muitos (inclusive, meu), e que a Marvel precisasse inseri-lo em seu universo cinematográfico, não parecia justo contarmos com mais um reboot de um herói masculino, quando tantas heroínas ansiavam para ganhar vida nas telonas — e o público, para ver isso acontecer.

Aos poucos, notícias foram chegando e a estreia de Tom Holland no papel do novo Homem-Aranha aconteceu em Capitão América: Guerra Civil, em 2016. Em uma cena rápida e divertida, pudemos acompanhar o novo Aranha lutando no meio — e contra — boa parte dos Vingadores, roubando a cena e o escudo do Capitão América (Chris Evans) na disputa no aeroporto. Embora não tenhamos, de fato, tido muito tempo para apreciar sua nova versão, o que ficou foi a curiosidade para vê-lo em sua estreia solo, o que só aconteceria um ano mais tarde em Homem-Aranha: De Volta ao Lar.

Atenção: este texto contém spoilers!

De Volta ao Lar bebe da fonte deixada em aberto pelo primeiro filme dos Vingadores, de 2012, mostrando, em uma de suas primeiras cenas, uma empresa de reciclagem que recolhe os destroços deixados em Manhattan, limpando a bagunça deixada pelos heróis depois de fazerem seu trabalho. Nesse momento conhecemos Adrian Toomes (Michael Keaton), um homem que investiu boa parte de seu dinheiro na criação de uma equipe para recolher sucatas dos chiaturi e vê na função uma possibilidade de melhorar a vida da sua família. O que Toomes não esperava é que o contrato firmado com a prefeitura para recolher peças fosse obliterado por Tony Stark (Robert Downey Jr.), e que todo o seu esforço e investimento tinham sido em vão. O vilão do filme — que nos quadrinhos recebe a alcunha de Abutre — surge da necessidade de Toomes de continuar a prover o melhor para sua família, mesmo que para isso tenha que roubar tecnologia chitauri e remodelá-la como armas, vendendo-as em seguida para quem pagar melhor.

Homem-Aranha: De Volta ao Lar

Enquanto isso, em um pequeno salto temporal, a audiência é lembrada por meio de um vlog divertido gravado por Peter Parker (Holland), como foi a primeira aparição do Cabeça de Teia no universo cinematográfico da Marvel. Diferente das histórias de origem que vimos nos outros filmes do herói — a picada da aranha, a morte do tio Ben e “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” — Homem-Aranha: De Volta ao Lar apenas relembra a batalha do aeroporto, em Berlim, e como Peter, um adolescente autêntico, estava deslumbrado e encantado por poder fazer parte de uma grande disputa ao lado do Homem de Ferro. Vemos também como Peter recebe o traje de Tony Stark e como, desde então, se coloca a espera de uma nova oportunidade de fazer provar seu valor enquanto herói — uma ligação que nunca chega.

O filme acerta ao pular toda a história de origem que já conhecemos tão bem para colocar o foco sobre os primeiros passos de Peter Parker como o Homem-Aranha. Utilizando um traje sofisticado, Peter está sempre pronto para ajudar a vizinhança com seus poderes e logo está se metendo em trapalhadas pela falta de experiência na luta contra o crime, seja ao recuperar uma bicicleta roubada sem saber quem é o verdadeiro dono ou impedir um roubo que não estava acontecendo. Esse lado do herói é importante pois ilustra com graça a maneira como Peter ainda precisa trabalhar duro para se tornar o herói que conhecemos, e que não há nada errado com isso — afinal, ele é apenas um adolescente empolgado, com um traje de combate muito sofisticado, sobre o qual ele não tem pleno controle (ou conhecimento). Vale apontar que o traje tira parte da mística do Homem-Aranha, algo gravado em nossas memórias afetivas por aquilo que vemos na trilogia de Sam Raimi, quando Peter faz diversos croquis até chegar a um modelo ideal de uniforme. De Volta ao Lar, no entanto, consegue contornar o fato quando, após uma missão que poderia ter terminado em desastre e muitos mortos, Tony retira o traje de Peter, fazendo com que o garoto precise voltar a usar sua “fantasia” feita em casa e reaprender o que significa ser um super-herói.

Um ponto muito positivo do filme é que ele consegue mostrar, de maneira mais verossímil, a adolescência de Peter em comparação aos longas predecessores. A vida escolar de Parker, seus amigos e sua paixão por uma das colegas falam muito de perto com muito do que vivemos nessa época — salvo as devidas proporções. Homem-Aranha: De Volta ao Lar consegue evocar o clima de filmes como Curtindo a Vida Adoidado e Clube dos Cinco, de John Hughes (referenciados, inclusive, durante o longa), conseguindo captar a essência do que é ser muito, muito jovem. Boa parte do filme remete à mística adolescente e aposta suas fichas ao construir um enredo juvenil, seja ao mostrar um pouco da rotina do colégio, com uma excursão para Washington, D.C., ou ao inserir na trama um típico baile de high school. Peter Parker nunca foi tão adolescente quanto agora e o carisma e desenvoltura de Tom Holland ao interpretar o herói só deixam tudo ainda mais divertido de se acompanhar.

É importante destacar também o ótimo trabalho de Jacob Batalon ao interpretar o melhor amigo de Peter, Ned. O personagem atua basicamente como a ponte entre os telespectadores não familiarizados com as particularidades do Homem-Aranha e seu universo, sempre fazendo centenas de questionamentos ao amigo — desde a perguntar se ele é capaz de convocar um exército de aranhas (uma referência direta aos quadrinhos) a querer saber mais detalhes sobre os Vingadores —, demonstrando um deslumbramento genuíno pela nova realidade superpoderosa de Peter. Mas se o roteiro acerta ao colocar Ned como fiel escudeiro de Peter, (ou o “homem na cadeira”, como ele gosta de ser chamado), o filme erra e perde completamente a mão no momento de retratar as personagens femininasDurante as mais de duas horas de filme, garotas não conversam entre si uma vez sequer sobre assuntos que não estejam relacionados a homens e é incrível pensar em uma equipe de seis roteiristas em que nenhum tenha considerado esse fato.

Liz (Laura Harrier), o interesse amoroso de Peter, conversa com suas amigas, mas apenas para debater sobre em qual Vingador ela tem uma crush — que, no caso, vem a ser o próprio Homem-Aranha. Michelle, a tão alardeada personagem de Zendaya, não conversa com nenhuma outra garota durante o filme e só interage com Liz quando esta faz perguntas-teste para o evento escolar de que participarão. Durante todo o restante do filme, as duas meninas não interagem em nenhum outro momento; não parece ser particularmente difícil inserir uma fala entre duas personagens femininas em um filme de mais de duas horas de duração, mas Homem-Aranha: De Volta ao Lar falha miseravelmente na tarefa. Embora seja realmente especial e relevante que as duas personagens, tão únicas e diferentes entre si, sejam interpretadas por atrizes negras, o filme deixa de ganhar pontos ao não fazê-las interagir de maneira consistente em momento algum. Outra personagem feminina que orbita ao redor de Peter Parker e não tem nenhum desenvolvimento, é a tia May de Marisa Tomei. Encarnando a versão mais jovem — até agora — da personagem, May é vista apenas como a tia bonita do adolescente, o que rende piadinhas em vários momentos, mas nada além. Tia May, pelo pouco que vemos, parece ser uma pessoa espirituosa e divertida, mas não conseguimos ter certeza, pois nada disso é mostrado com precisão. 

É possível argumentar que esse é o filme do Homem-Aranha e não as aventuras de tia May (ou de Liz, ou de Michelle), mas dar maior espaço para que essas personagens sejam verossímeis, que possam ser mais do que acessório ao protagonista ou eye candy, não é pedir muito. Tanto May, quanto Liz ou Michelle, parecem ter personalidades e histórias interessantes, mas não temos a oportunidade de presenciar nada disso além do que está diretamente relacionado ao arco narrativo de Peter. Michelle, por exemplo, aparece de maneira inusitada em diversas cenas no decorrer do filme, sempre proferindo comentários sarcásticos e com um livro debaixo do braço, mas o máximo que chegamos a ver por essas aparições com ares de alívio cômico, é o fato de que a menina é chamada de MJ pelos amigos — o que, sabemos, é o mesmo apelido de Mary Jane, o interesse romântico mais famoso de Peter Parker nos quadrinhos.

Em outras questões, o filme se desenvolve de maneira divertida e simples, e o diretor Jon Watts consegue fazer um bom trabalho com o rebootHomem-Aranha: De Volta ao Lar tem um clima mais leve e jovial do que seus antecessores e consegue imprimir a empolgação que Peter Parker sente de maneira verdadeira, não deixando margem para dúvidas a respeito do quanto ele (e Tom Holland, por consequência) simplesmente ama o que está fazendo. Mesmo o vilão do filme, o Abutre, tem uma motivação real e muito palpável: sem a costumeira megalomania dos vilões de filmes de super-heróis, Toomes não tem por objetivo dominar ou destruir o mundo: ele quer, simplesmente, continuar a prover tudo de melhor para sua família mesmo que, para isso, ele tenha que apelar para a criação de armas com base na tecnologia chitauri, o que não é muito diferente do que as Indústrias Stark fizeram durante toda a sua existência. É preciso apontar, ainda, que as inúmeras aparições de Tony Stark são um problema, visto que o filme perde um tempo que poderia ser dedicado mais ao Homem-Aranha e não ao Homem de Ferro. É quase como se os roteiristas precisassem emular a figura paterna ausente do tio Ben na nova persona de Stark que, com lições de moral e frases de efeito, nem sempre atingem o objetivo esperado ao tentar imprimir um pouco de juízo na cabeça de um empolgado Peter Parker.    

Homem-Aranha: De Volta ao Lar cumpre o que promete e entrega um divertido filme de origem, com cenas de ação bem trabalhadas, ainda que simples, e um bom entrosamento de todo o elenco. Ainda que tenha pecado em questões importantes como a representatividade feminina, De Volta ao Lar abre um bom caminho para a nova saga do personagem dos cinemas. As aparições engraçadinhas do Capitão América são um bônus inesperado e o gancho deixado para o próximo filme já está preparado, o que demonstra que, daqui pra frente, ninguém segura o Peter adolescente — e carismático — e Tom Holland. Não nego que meu lado racional permanece questionando a necessidade de mais um filme de herói em detrimento de uma super-heroína, mas o reinício da saga do Homem-Aranha nos cinemas foi feita do melhor jeito possível. O amigo da vizinhança está de volta em uma trama que evoca a nostalgia dos filmes antigos, mas trabalha com uma roupagem atual e que tem tudo para dar certo. Aparando as arestas e dando mais tempo de tela — e história — para as personagens femininas, o futuro parece promissor.

1 comentário

  1. A crítica do filme é interessante, me ajudou a notar certos detalhes que passaram despercebidos na primeira vez que vi. Maravilhosa produção, todos os elementos deste filme estão muito bem cuidados. Na minha opinião, este foi um dos melhores filmes de ação que foi lançado. O ritmo é bom e consegue nos prender desde o princípio. Não tem dúvida de que Tom Holland foi perfeito para o papel de protagonista.

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