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A Esposa e a invisibilidade das mulheres nas artes

“Por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher.” Quem nunca ouviu essa frase, repetida exaustivamente com a ideia de ser um grande elogio às mulheres? No entanto, se a observarmos de perto, percebemos a misoginia presente nessas palavras. A mulher deve estar atrás de um grande homem, nunca na frente.

O campo de batalha das mulheres, seja na ciência ou nas artes, é uma trincheira hostil. Quando não foram impedidas de exercerem seu talento, como a escultora Camille Claudel, internada em um hospício pelo irmão por ser “louca” (leia-se: independente, talentosa e fora dos padrões), elas tiveram seus trabalhos apropriados, como a escritora Colette. Dessa forma, as conquistas das mulheres foram sendo progressivamente silenciadas, de modo a nos fazer acreditar que simplesmente não tivemos espaço na História, e não que ele nos foi tirado. Assim, criou-se uma série de inseguranças que nos mantêm enclausuradas: para escrever uma crítica, fazemos o dobro de pesquisa que nossos colegas críticos; antes de falarmos, pensamos duas vezes. Tudo isso para que a máxima “por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher” possa ser mantida.

A Esposa, filme indicado na categoria de Melhor Atriz ao Oscar 2019, toma essa frase misógina e desenvolve uma história cheia de sutilezas para meter o pé na porta e nos dizer que, por trás de um grande homem, existe apenas sua mediocridade e covardia. Dirigido por Björn Runge, A Esposa começou a chamar a atenção quando se revelou um rolo compressor na categoria de atriz: Glenn Close, a protagonista, faturou o Globo de Ouro, o prêmio do Sindicato dos Atores, o Critics Choice Awards e o Satellite Award. Não à toa, pois a atriz está fabulosa e nos dá uma aula de interpretação através das sutilezas.

Os prêmios de A Esposa atraíram atenção para o filme, que andava um pouco esquecido por críticos e cinéfilos. De fato, em comparação a outros filmes, como A Favorita ou Infiltrados na Klan, A Esposa não sai ganhando, mas sua maior qualidade reside em entregar uma discussão sobre o lugar das mulheres na literatura de um jeito muito próprio, mostrando a invisibilidade das mulheres de inúmeras maneiras, sem soar panfletário.

Inspirado no livro homônimo de Meg Wolitzer, o filme demorou sete anos para ser concluído. Toda vez que Glenn Close é entrevistada, ela gosta de contar essa história: isso aconteceu porque a vida se mistura à arte, ou seja, os bastidores dialogam muito com o filme. Segundo Close, A Esposa demorou todo esse tempo para acontecer simplesmente porque nenhum ator famoso estava disposto a trabalhar em um filme que se centrava na esposa; não no marido. Além disso, nenhum ator queria ganhar menos que a protagonista. É como ela declara nesta entrevista:

“Imagine o seguinte cenário: atores, grandes atores têm egos enormes. O ego deles era tão grande que ninguém queria trabalhar em um filme chamado A Esposa.”

Só essa declaração já nos dá a tônica de como A Esposa é um filme importante. Por mais que não vença o Oscar de Melhor Atriz, ele mostra como, até em uma história de ficção, os homens recusam-se a passar o bastão do protagonismo adiante. Vou além: tenho certeza de que muitos atores recusaram o convite porque A Esposa mostra toda a babaquice e o ego inflado dos homens. Joe (Jonathan Pryce), o célebre escritor de A Noz, poderia ser qualquer homem muito famoso. Sua prepotência reside em nomes como os de Ted Hughes, Hemingway, Sartre, Philip Roth e por aí vai.

Atenção: este texto contém spoilers!

A Esposa

A Esposa conta a história de Joan (Close), a dócil, solícita e dedicada esposa do grande escritor Joe (Pryce). A primeira cena do filme já entrega toda a trama: eles estão em casa, dormindo, quando o telefone toca. Ficamos sabendo, então, que Joe venceu o Prêmio Nobel de Literatura. Ele precisa ir à Suécia receber o prêmio, e a história se desenvolve a partir daí. O filme constrói, desde a primeira cena, a “submissão” de Joan ao marido e a personalidade dependente e abusiva dele. Antes de receber a notícia, ocorre praticamente um estupro marital. Joe está muito nervoso e deseja desafogar essa sensação transando. Joan, porém, não quer. Ela está cansada e só quer voltar a dormir, mas ele acaba forçando-a e impondo sua vontade. Mais situações como essa acontecem durante a trama.

A partir da cena da notícia, estabelecem-se uma série de violências simbólicas pelas quais Joan passa. Ao irem para a Suécia, eles são recebidos pela organização do Nobel. A única mulher do grupo informa a Joan que pode arranjar algumas coisas para distraí-la. Até então, tudo bem. O problema é que as atividades em questão são idas a cabeleireiros e sessões de compras. Dessa forma, a posição de Joan é sempre reforçada: ela deve estar atrás do marido, não ao lado dele.

Outro aspecto muito interessante é que o filme é construído todo em uma paleta azul. O quarto do casal é azul, as roupas de Joan e a iluminação sempre dá um jeito de remeter a essa cor, também. O azul é uma cor fria, por vezes associada à tristeza, oferecendo um efeito de distanciamento. Dado o tema de A Esposa, não parece uma surpresa que essa tenha sido a cor escolhida: ela representa toda a solidão sentida pela personagem. Joan está ali e ao mesmo tempo não está. Isso porque ela sempre é vista como a costela de seu marido, uma parte associada a ele, e nunca por ela mesma. A cor azul, somada aos closes nas reações de Glenn Close, que podem parecer lentas ao espectador desavisado, estabelece uma atmosfera pesada.

“Eu faço reis”

Antes de sabermos o grande plot twist do filme, A Esposa constrói uma história muito verossímil sobre o que é um relacionamento abusivo na prática. Muitas vezes acreditamos que relações tornam-se abusivas quando há a chegada da violência física, mas não é bem assim. Existem uma série de outras violências simbólicas às quais mulheres podem estar sujeitas, e Joan passa por boa parte delas. Abuso moral e psicológico são dois elementos muito poderosos dentro da dinâmica de relacionamento entre o casal.

Os abusos morais e psicológicos de Joe traduzem-se em desqualificar a esposa na esfera pública e privada e reduzi-la à sua sombra. Enquanto é dócil, Joan é indispensável: é ela quem limpa as migalhas de pão na barba de Joe, quem serve o champanhe aos convidados da festa em comemoração ao Nobel e organiza a rotina de remédios dele. Nesses momentos, o marido é só elogios à esposa. “O que seria da minha vida sem você?”, ele lhe pergunta. Nós sabemos a resposta: o homem estaria provavelmente morto, pois não consegue nem tomar seus remédios sozinho.

Porém, quando a personagem decide rebelar-se e ter um momento seu, ela começa a sofrer os abusos de maneira mais agressiva. Em uma cena, Joe cheira as roupas da esposa e pergunta se ela bebeu e fumou. “Você não pode aparecer cheirando à bebida na frente deles”, ele diz. Se Joan não for a esposa troféu, imaculada, ela não serve. Isso gera a ira de seu marido.

Joan passa por todas essas situações de maneira que pode parecer até fria por parte do espectador desavisado. Ela sempre engole os comentários machistas do marido, como “minha esposa não escreve”, com um sorriso. Coisa que, diga-se de passagem, somos ensinadas a fazer, uma vez que levantar a voz não é coisa de mulheres educadas. No entanto, a câmera de Björn, muito próxima ao rosto de Joan, está ali para lembrar que, não, ela não está passando por aquela situação de forma fria. Dói, mas o mundo está alheio demais a isso, lambendo o chão por onde seu marido passa para se lembrar da existência da esposa. Como se não bastasse as violências simbólicas, Joan precisa conviver com a notória infidelidade do marido. Em outro momento do filme, ela descobre que Joe flertou com Linnea (Karin Franz Korlof), fotógrafa que os acompanha em Estocolmo, exatamente do mesmo jeito como ele conquistava todas as mulheres: oferecendo-lhes uma noz com uma dedicatória, já que um de seus livros mais célebres chama-se A Noz.

A Esposa

Ainda assim, Joan mantém a postura. Pelo menos, até o dia da entrega do Nobel. É nessa ocasião que descobrimos o segredo que o filme guarda: ela é a ghostwriter dele. Logo, quem deveria estar sendo agraciada naquele palco é ela, não ele. De repente, tudo o que vimos durante quase uma hora e meia de filme passa a fazer sentido. Os abusos. As frases como “minha esposa não escreve”. O fato de Joe não se lembrar de Sylvia Fry, personagem que ele havia criado.

Infelizmente, isso não é novo na literatura. Um caso célebre de ghostwriter é o da escritora francesa Colette. Um dos grandes nomes literários da Belle Époque teve seu trabalho apropriado por Monsieur Willy, seu marido. Ele publicou as memórias dela de adolescência, Claudine à l’école,  como se fossem dele. Dado o sucesso desse livro, ela escreveu outros livros, Claudine à Paris, e todos levaram o nome de Willy na capa. Foi apenas nos anos 30, após o divórcio, que Colette pôde alçar voo de fato na literatura. Ela começou a escrever os próprios livros, e eles foram sucesso de vendas. A cinebiografia de 2018, protagonizada por Keira Knightley, procura resgatar os feitos dessa grande escritora, que não é estudada nos cursos de Letras com ênfase em francês até hoje.

Histórias como as de Colette e da grande parte das escritoras entrelaçam-se com a de Joan. Quando escreveu o rascunho de Claudine à Paris e mostrou ao marido, Colette recebeu uma grande crítica dele. Ele não havia gostado do livro porque era muito feminino, ninguém iria querer ler. Quem quer ler o que é escrito por mulheres? O mesmo acontece a Joan. Um flashback de A Esposa nos mostra uma jovem sonhadora, que deseja ser escritora e tem muito talento. Ela frequenta as aulas de literatura de Joe Castleman na universidade. Lá atrás, esse homem já enxergava os talentos literários de Joan. Ela estava disposta a investir nessa carreira até levar um balde de água fria de Elaine Mozell (Elizabeth McGovern), uma escritora.

Joan comparece ao sarau de Mozell, elogia o trabalho dela e conta que está perseguindo a carreira de escritora. O que vem de resposta é uma verdade difícil demais de ser digerida, talvez porque ela continue tão forte ainda nos dias de hoje:

“O público não consegue aguentar um romance escrito por mulher. Ouvi dizer que você tem talento. Não faça isso [escrever]. Sabe onde seus livros vão parar? Bem aqui, em uma estante. (…) Nunca pense que você vai conseguir a atenção deles. Dos homens. São eles quem escrevem as críticas, são donos das editoras, quem editam as revistas literárias, quem decidem quem será levado a sério, quem será alçado a um pedestal e ficará lá para o resto da vida.”

E, assim, Joan acaba desistindo da própria carreira para editar os romances do marido, que são uma porcaria. Ao ler o rascunho daquele que seria seu romance de estreia, ela aponta os defeitos, mas é rechaçada. Joe não consegue aceitar que não é tão bom quanto achava. No entanto, ele não hesita quando Joan se oferece para melhorar o que ele havia escrito. Assim, começa uma simbiose entre eles que traduz-se na escolha dos nomes dos personagens. Joe e Joan, unidos em uma única pessoa. Em determinado momento, você não entende mais quem é quem, visto que essa união entre eles é tóxica demais. Os romances escritos por ela, com o nome dele na capa, tornam-se um sucesso. A personagem desiste dela mesma em todos os aspectos: não consegue nem exercer a maternidade direito, pois precisa ficar editando os romances do marido. E isso é uma das coisas mais tristes e revoltantes que o filme nos proporciona.

O Prêmio Nobel de Literatura existe desde 1901 e apenas 14 mulheres durante todos esses anos foram agraciadas com ele. Quando olhamos para outras premiações, como o Prêmio Goncourt, vemos números parecidos: são oito mulheres premiadas versus 104 homens. Mas se elas não são premiadas, é porque não escrevem tão bem quanto seus pares homens, alguém pode dizer. Infelizmente, essa também é uma afirmação misógina que continua sendo difundida atualmente para desqualificar a literatura feita por mulheres. Além disso, escritoras também sofrem com a famosa “literatura feminina”, que também é uma expressão bastante problemática. É como bem aponta este artigo fantástico sobre a invisibilidade das mulheres na literatura:

“A escrita de mulheres acaba sendo, por vezes, encaixada num estereótipo feminino: intimista, pessoal, romantizada e sentimental. Uma vez que elas possuem um papel pré-determinado na sociedade, que espera que sejam maternais, sensíveis e cuidadoras.”

Dessa forma, as escritoras precisam encaixar-se na escrita intimista, no estilo Lygia Fagundes Telles ou Clarice Lispector, para serem respeitadas. Mal sabem eles da existência das histórias extremamente violentas de Gillian Flynn. A pergunta que fica é: por que não estivemos lá? Porque não quiseram que estivéssemos. Porque não tínhamos um teto todo nosso para escrever. Escrever fazia parte de uma tripla jornada, que incluía o cuidado com os filhos e o marido. Só isso já desencorajava as mulheres, somado ao fato de que nossas ideias não valem a pena.

Mesmo dita há mais de 40 anos, a frase de Mozell ainda faz muito sentido. Talvez por isso A Esposa seja um filme tão necessário. As mulheres ainda enfrentam os desafios em todos os campos, desde as artes até a ciência. Ainda se confia menos na prosa de mulheres do que na de homens. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro, as mulheres leem mais e são menos publicadas. Não é algo extremamente problemático?

A questão das biografias: uma análise sobre Nathaniel

A figura do biógrafo Nathaniel Bone (Christian Slater) é um dos pontos mais interessantes de A Esposa. Ele está prestes a escrever uma biografia sobre Joe Castleman, mas o biografado em questão não quer. Porém, isso não impede Nathaniel de persegui-lo na Suécia, rodeá-lo em busca de material fresco para seu futuro livro.

Eu fui uma devoradora de biografias e foi assim que adquiri o hábito da leitura. Mergulhei na obra de artistas de que gostava e procurei saber tudo, raspar o tacho mesmo. Na adolescência, descobri as vidas de mulheres mortas a quem eu admirava, como Carmen Miranda e Joan Crawford, e as biografias foram o meu alento, a forma com a qual me sentia próxima a elas. Até hoje não me conformo que minha atriz favorita, Nathalia Timberg, tenha uma biografia tão miseravelmente pobre.

No entanto, depois de adulta passei a questionar o gênero biografia. Será que o que está dito lá é verdade? E o que é a verdade, afinal de contas? Esse insight aconteceu, sobretudo, quando reli Mamãezinha Querida, biografia sobre Joan Crawford, escrita por sua filha, Christina Crawford. Nela, a atriz era retratada como uma mulher desequilibrada e doente que espancava os filhos. A partir daí, tenho para mim que as biografias são uma versão da verdade. A verdade de quem escreve, a partir de um determinado ponto de vista. A biografia pode aumentar ou acabar com a vida do biografado. Ele não tem o direito de se defender, de voltar à vida para acertar as contas. Foi o que aconteceu a Joan Crawford. Ela teve a carreira destruída por conta de Mamãezinha Querida, e foi eternizada pela atuação de Faye Dunaway no filme homônimo. Foi preciso que Ryan Murphy a redimisse em Feud para que as pessoas passassem a enxergá-la por outro prisma.

Dito isso, Nathaniel é um biógrafo disposto a encontrar os segredos de Joe, desvendá-lo, absorvê-lo e fazer o que Janet Malcolm, autora de A Mulher Calada, livro que discute a questão dos limites da biografia através de Sylvia Plath e Ted Hughes, declara:

“Em seu trabalho de fato, o biógrafo se assemelha a um arrombador profissional que invade uma casa, revira as gavetas que possam conter joias ou dinheiro e finalmente foge, exibindo em triunfo o produto de sua pilhagem. O voyeurismo e a bisbilhotice que motivam tantos os autores quanto os leitores de biografia são encobertos por um aparato acadêmico destinado a dar ao empreendimento uma aparência de amenidade e solidez semelhantes às de um banco.”

E, realmente, em suas pesquisas ele levanta o maior segredo que a trama guarda: de que Joan poderia ser a ghostwriter de Joe. Para chegar a essa informação, ele comparou os primeiros contos de Joan aos escritos de Joe e concluiu que os estilos eram parecidos. É claro que Joan nega essa possibilidade e pede a ele para que não a retrate como uma vítima, que ela é muito mais interessante que isso.

Diferentemente dos biógrafos descritos por Janet, Nathaniel parece estar em uma cruzada em busca da verdade. Com sua biografia, ele pretende jogar a verdade para o mundo. O biógrafo não se conforma com a invisibilidade de Joan, inclusive, ele parece ser o único a perceber o quanto aquela situação é desconfortável para ela. Porém, mesmo tendo sido a ghostwriter do marido durante uma vida inteira, Joan quer preservar a imagem dele. Quer que todos tenham a versão brilhante do marido, independente da sacanagem que fez com ela. Isso me fez pensar muito em Ted Hughes e Sylvia Plath. Ao cometer suicídio tragicamente aos 30 anos, Sylvia Plath selou um mito. A partir daí, biografias e estudos debruçaram-se sobre sua vida, especulando os motivos que a motivaram a tomar essa atitude trágica. Sua obra tão visceral seria lida e relida com o intuito de descobrir sinais que apontassem para o suicídio.

Sylvia foi casada com Ted Hughes, escritor assim como ela. Ao tirar a própria vida, eles já estavam separados por conta da infidelidade de Hughes. Neste relacionamento, ao meu ver, acontecia o efeito contrário mostrado por A Esposa: o marido ficava à sombra da esposa. Plath entrou para a história não apenas por seu final trágico, mas também por causa de seu talento. Sua poesia é visceral, e A Redoma de Vidro continua sendo um dos melhores livros que já li na vida.

Uma das fontes de conhecimento sobre Sylvia Plath são seus diários que foram publicados após sua morte. No entanto, um deles nunca poderá ser lido, pois Ted Hughes colocou fogo nele. Segundo o escritor, ele fez isso porque não queria que os filhos lessem o que Plath relatava. O volume que ele jogou ao fogo é justamente o que retrata os anos finais da vida de Sylvia. Do que ele tinha medo então? Por que fez isso? Na minha opinião, ele foi motivado por razões de imagem. Queria manter uma imagem imaculada. É muito provável que Sylvia o retratasse de maneira nada agradável. No caso de Ted, foi Olwyn Hughes, sua irmã, que atuou como a guardiã da sua imagem. Ela mandava cartas desaforadas aos biógrafos que ousassem retratá-lo como um marido abusivo. Escreveu Bitter Fame [Fama Amarga] ao lado de Anne Stevenson, uma biografia sobre Plath que foi rechaçada por não ter o elemento Casos de Família que os leitores tanto adoravam.

Nathaniel é uma figura tão importante em A Esposa porque ele apresenta a discussão sobre a questão delicada das biografias. Além da cruzada em busca da verdade, ele aponta algo bastante emblemático sobre o retrato de homens e mulheres nas biografias. Ele diz que é desculpável, para os grandes escritores, terem amantes. É como se aquilo os fizesse mais especiais. Por exemplo, o alcoolismo de Bukowski é aceitável, uma vez que aquilo o tornava genial. Mas quando pensamos em mulheres, as mesmas características já não nos valem. A prova disso é que a mãe de Sylvia Plath desejava que sua filha fosse retratada como dócil, e não a mulher amarga que seus diários apresentam.

Algo que me incomodou bastante foram os comentários feitos por fãs de Lady Gaga, que concorre ao Oscar na mesma categoria que Glenn, em relação à protagonista de A Esposa. Vi muitas pessoas chamando-a de velha, desmerecendo sua carreira, sem sequer ao menos entender que não é a primeira vez de Close; que esta já é a sétima indicação dela ao Oscar. E, mesmo que não fosse, não é bacana desqualificar o trabalho de uma atriz chamando-a de velha. Isso se chama etarismo. O Oscar existe para celebrarmos o poder do cinema em nos emocionar com suas histórias, não para colocarmos uma atriz contra a outra.

A Esposa nos conquista pelo chute no patriarcado. Pode não ser um filme de qualidades técnicas, mas certamente tem uma história bem contada. Particularmente, torço muito para que Glenn Close vença o Oscar por essa atuação. Ela nos entrega todos os sentimentos de Joan sem abrir a boca. É uma aula de como um close-up é uma das ferramentas mais poderosas do cinema. Nos recusamos a ser anônimas na História. Esse tempo está caindo por terra, e A Esposa vem para nos lembrar de que conquistar nossa voz é um exercício diário e duro. Que a história de Joan nos dê mais munição para mostrar que a História não é feita apenas de homens brancos e héteros.

A Esposa recebeu 1 indicação ao Oscar, na categoria de: Melhor Atriz (Glenn Close).

3 comentários

  1. Amo Lady Gaga e tudo que ela já fez ou fará, exceto Artpop, mas esse Oscar tem dona e ela se chama Glenn Close. Excelente resenha!

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