Categorias: COLABORAÇÃO, MÚSICA

Camila Cabello: uma artista pra unir todas as tribos da América

Talvez você não conhecesse grandes coisas a respeito do Fifth Harmony além de uns refrões repetitivos que sempre tocam em qualquer balada que se preze (“Give it to me, I’m worth it”). Mas para quem habita o fantástico mundo da internet, pelo menos os ecos de uma grande treta que rolou em dezembro de 2016 com a banda não são novidade. Um comunicado assinado pelas integrantes Ally BrookeNormani KordeiLauren Jauregui e Dinah Jane revelou que “depois de quatro anos e meio juntas, nós fomos informadas por meio de seus representantes que Camila [Cabello] decidiu sair do Fifth Harmony. Desejamos o melhor pra ela”. Em seguida, Camila Cabello saiu em sua própria defesa e disse ter ficado chocada ao ler o comunicado, o qual havia sido divulgado sem que ela soubesse, e contradisse a declaração das antigas colegas (amigas?): “As meninas estavam cientes dos meus sentimentos durante a turnê, durante as longas e necessárias conversas sobre o futuro que nós tivemos durante a turnê…”, foi o que ela divulgou em suas próprias redes.

“No ano que vem, eu vou trabalhar na minha própria música e vou dar a vocês [os fãs] um grande pedaço do meu coração. (…) Eu sempre os encorajei a não ter medo, a viver suas vidas em nome do amor e do que faz vocês felizes…. Por mais assustador que seja dar esse salto, eu estou empolgada e cheia de alegria porque eu sei que não importa o que aconteça, eu estou seguindo meu coração. Espero ver vocês na minha jornada”, escreveu.

No dia 12 de janeiro de 2018, dois anos após o ocorrido, Camila Cabello lançou seu novo álbum, batizado simplesmente de Camila. Ele daria o veredito final: será que todo o estardalhaço causado ao se separar do Fifth Harmony para seguir seu coração teria valido a pena, comercial e artisticamente falando?

Os números e as críticas provam que sim. Todas as músicas do álbum chegaram ao TOP Global do Spotify e levou menos de 24 horas para que ele ficasse em primeiro lugar no iTunes — em mais de cem países. Camila passou dos 70 pontos no Metacritic, que indexa críticas de diversos veículos e dá um coeficiente geral, e o sempre exigente Pitchfork decretou que Cabello é “o tipo de artista com a presença e o charme para levar o pop para uma nova década.” Como ela vai fazer isso? “Eu sinto que a melhor maneira de fazer algo novo e diferente é simplesmente ser o você máximo possível”, ela formulou em entrevista para o New York Times. “Se você reunir todas as partezinhas diferentes de você, ninguém consegue replicar isso.” No caso de Camila, isso significa fermentar as suas raízes latino-americanas com as referências de quem cresceu com o pop do novo milênio.

O primeiro resultado dessa fórmula é “Havana”. Depois de alguns experimentos com produtores que tentaram com Camila uma abordagem que seria mais apropriada para o Fifth Harmony, com as melodias fáceis e descartáveis prontas para a lista de mais tocadas, “Havana” nasceu enquanto a artista comia sushi com Frank Dukes. Você provavelmente nunca ouviu o nome do produtor, mas já ouviu músicas que tem o seu DNA. Nascido Adam Feeney, o canadense é um dos nomes por trás de “Needed Me”, da Rihanna, e mais meia dúzia de músicas de Melodrama, celebrado álbum de Lorde, dentre elas “Green Light”. Dukes mostrou a Camila um instrumental aparentemente simples, um riff de piano com tons de salsa. Ela se lembrou da capital do país onde nasceu e em que passou a maior parte de sua infância e escreveu o refrão de “Havana” ali mesmo.

A música foi lançada sem muitas expectativas em agosto passado, ao lado de “OMG”, mas a grande repercussão e uma posição no TOP 15 do Spotify fizeram com que Camila e sua equipe decidissem elegê-la um single oficial. Antecedido por “Crying in The Club”, escrita por Sia, ela seria o segundo lançamento do álbum, que até então se chamaria The Hurting, The Healing, The Loving, mas seu impacto fez com que o jogo todo mudasse. Assim como “I Have Questions”, outra canção que viera antes, “Crying in The Club” era genérica e não causou grandes impressões — parece ter só servido para alimentar a discórdia entre os harmornizers e os recém nascidos camilizers, que discutiam o que era melhor, o novo single esquecível da cubana ou qualquer um dos hits fordistas da sua antiga banda.

“Havana” varreu toda a discussão para baixo do tapete e não parece errado supor que ela foi a responsável por colocar a carreira solo de Camila na estrada certa para que ela possa, de fato, levar o pop para uma nova época. Se o primeiro plano parecia ser um manifesto da cantora sobre a sua saída do Fifth Harmony com tons de acusação e autoajuda para fãs desamparados que se encontrassem perdidos, o que se concretizou como álbum de estreia de Camila Cabello foi um trabalho maduro — tão maduro quanto pode ser o primeiro voo solo de uma garota de 21 anos que cresceu em meio aos laços estreitos de uma girlband pré-fabricada.

Rebatizado simplesmente de Camila, o álbum parece ser uma amostra dos diferentes caminhos que a cantora pode seguir. Suas referências são tão versáteis quanto sua origem, mas de alguma forma tudo parece coerente, unido pela voz melódica da cantora. Os tons irritantes dos primeiros dias de Fifth Harmony foram abandonados em favor do registro baixo e caloroso, que transita pelas músicas do seu álbum de estreia canalizando a dose de emoção acertada para cada canção.

São dois os momentos em que Camila Cabello mais brilha. O primeiro era a já esperada influência latina que, além de “Havana”, também aparece no piano de “Inside Out” e no mais atual reggaeton de “She Loves Control”. O outro é quando a veia sentimental e compositora de Camila ficam ressaltadas: em “Consequences” e “Something’s Gotta Give”, conduzidas por um piano triste, e “Real Friends” e “All These Years”, faixas despidas de grande produções e acompanhadas principalmente por um violão. “Real Friends” e “Something’s Gotta Give” parecem ser o espólio do projeto anterior — enquanto na primeira a garota confessa sua solidão para a lua, a última dá pistas sobre o que aconteceu na relação dela com sua antiga banda: “Nenhuma razão é uma boa razão para ir embora”, ela canta.

“Into It” e o novo single “Never Be The Same” soam mais modernas e se mesclam perfeitamente no pop atual, encharcadas de desejo pela voz aveludada de Camila. Já “In The Dark” é uma colagem instrumental pálida ao lado das companheiras, mas ainda tem um refrão, se não memorável, fácil de memorizar, com uma letra em que se destaca, mais uma vez, o deslocamento que se pode sentir em Los Angeles durante as madrugadas.

Camila, enfim, é um álbum rápido (menos de 40 minutos, incluindo na conta a versão para as rádios de “Never Be The Same”) e eficiente. Ele demonstra a flexibilidade da cantora e evidencia a multiculturalidade típica de uma geração. E é aqui que um produto evidentemente direcionado às massas traz reflexões políticas, como a cultura pop sempre faz quando se presta atenção o suficiente.

Não deixa de ser irônico que a música onipresente na virada de 2017 para 2018 se chame “Havana” e seja cantada por uma garota nascida na cidade, filha de mãe cubana e pai mexicano. Em abril de 2017, Camila Cabello escreveu para o PopSugar, contando a sua trajetória de imigração. Ela e a mãe se mudaram para os Estados Unidos quando a futura popstar tinha menos de seis anos, viajando de ônibus por 36 horas após serem liberadas pela imigração na fronteira entre México e Estados Unidos, até chegarem em Miami. Lá, moravam com uma colega do avô de Camila, que mais tarde se tornaria madrinha da criança. A sua mãe, arquiteta por formação, sustentava a filha vendendo sapatos. O pai se juntou à família um ano e meio depois e, como profissão, passou a lavar carros. Eles acabaram conseguindo juntar dinheiro o suficiente para abrir uma empresa de construção. O famigerado sonho americano.

Enquanto isso, hoje o presidente do país é um homem branco que se elegeu com a promessa de construir um muro na fronteira com o México, passa o seu tempo revogando leis progressistas do seu antecessor e chama países africanos e latino-americanos de “buracos de merda”. O que Donald Trump não enxerga é que ele e tudo o que ele representa são o últimos esforços de uma cultura anacrônica que não tem mais lugar em lugar nenhum. As projeções são que, por volta de 2050, a população branca deixe de ser maioria nos Estados Unidos — suplantada, principalmente, pelos hispânicos. Não apenas imigrantes que seguiram rumo ao norte em busca de trabalho, e sim seus filhos, que cresceram falando espanhol em casa e estudando inglês na escola, que ouvem salsa nas reuniões familiares e cantam Britney Spears no karaokê com os amigos — assim como fazia Camila.

Dizer que ela representa a nova década da música pop não é por causa das revoluções musicais que ela possa fazer e sim porque ela, de fato, compartilha o mesmo background do futuro americano e o utiliza como matéria prima para compor hits inquestionáveis.

Odhara Caroline. Escritora. Continua sendo jornalista do mesmo jeito que continua acreditando em coisas boas — só de birra. Adora se apropriar de xingamentos dizendo que é feminazi, persegue cachorros na rua, explica tudo o que faz com base no mapa astral, sempre acaba fazendo drama demais e pedindo desculpas depois. Como boa millennial, não tem a menor ideia do que tá fazendo com a própria vida.
Twitter | Instagram | Newsletter